"Fui abusado pelo melhor amigo dos meus pais. Eles não acreditaram em mim"
Dormir é algo aterrorizante para o analista de marketing digital Renan Ricci, de 26 anos. Sempre que fecha os olhos, ele revive o momento que considera o pior de sua vida: quando foi violentado sexualmente pelo melhor amigo dos pais, aos 12 anos de idade.
Neste 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Renan conta que os estragos são profundos. Até hoje, ele toma remédio para controle de depressão e tem dificuldades para se relacionar amorosamente.
“Meu corpo é todo coberto por tatuagens. Preciso não ver a imagem daquele corpo de criança. Sempre que me olhava no espelho, via as mãos daquele homem passando por mim. Só que, mesmo com as tatoos, ainda não esqueci. Todos os dias, sinto nojo e culpa por não ter evitado a violência.
Os abusos começaram com toques e carícias durante viagens que fazíamos juntos. Sempre que eu estava na piscina ou no mar, ele me tocava. Eu não entendia que aquilo era uma violência, e não um carinho, até que a intensidade do abuso aumentou. Ele me levou a um show do Charlie Brown Jr. e, como acabou tarde, disse que seria melhor que eu dormisse na casa dele. Lá, sugeriu que tomássemos banho juntos e me tocou. Fez sexo oral em mim e me obrigou a fazer nele. Junto com a violência física, ele insistia em confundir minha cabeça. Dizia que eu era gay e que eu iria agradecê-lo por aquilo um dia; que meus pais jamais poderiam saber, senão, sentiriam nojo de mim. Eu sentia.
Quando deitamos para dormir, ele passou a língua pelo meu corpo. Senti medo e prazer também. Até hoje, não consigo me perdoar por ter sentido prazer, em meio a uma situação tão apavorante. Tento trabalhar esses sentimentos na terapia. Tento também me perdoar, e perdoar a minha mãe, que não acreditou quando contei o que tinha acontecido – seis anos depois. Ela disse que eu estava mentindo. Esse foi o segundo pior momento da minha vida.
O primeiro foi quando aquele homem tentou me penetrar, no dia seguinte ao show. Eu comecei a chorar, e ele desistiu. Viu que eu estava sentindo muita dor. Eu já não sabia de mais nada. Não sabia se eu era realmente gay, se era eu culpado de algo.
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O abuso durou dois anos. Fiquei doente, tinha febre e muita diarreia. Os médicos não tinham diagnóstico. Eu dizia o tempo todo pra minha mãe que não queria mais ficar sozinho com aquele homem, mas ela nunca me perguntou o motivo.
Desde então, mato um leão por dia. A depressão é uma realidade, e eu não sei mais o que é viver sem ela. Já quis me matar. Às vezes, durante o sexo, a imagem do abuso vem à minha cabeça. O que ainda me faz viver é a música. Encontrei nela uma forma de me expressar. Minha banda, a SSD, faz campanhas contra o abuso sexual infantil. No final dos shows, muita gente me abraça e agradece. Elas contam que já foram abusadas também. Acho que a minha dor pode ajudar a melhorar a dor dos outros. Quero dar a outras vítimas o apoio que eu não tive.
Meus pais só acreditaram em mim quando outras pessoas disseram que foram vítimas do mesmo homem durante a infância. E perceberam que eu tinha falado a verdade. Doeu muito a desconfiança, mas, com o tempo, me reaproximei da minha mãe. Hoje, temos uma relação de amor muito intensa. Ela também sofre com tudo o que aconteceu. Meus pais pararam de frequentar o centro espírita do pedófilo e se afastaram dele. Não o vejo há anos, mas esquecer essa história é impossível. Penso nela todos os dias.
Meus pais me convenceram a não denunciá-lo, porque, diziam, eu não tinha provas. Evidentemente, eles estavam errados.
É triste pensar que, ainda hoje, este homem está livre. Ele acabou com a minha vida. Tive algumas namoradas, mas não consegui me entregar a ninguém. Tenho vergonha do meu corpo, sinto dificuldade para socializar. Minha vida é um inferno.
Quem passa por abuso tem que vencer uma guerra por dia. Todos os dias.
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