"Falavam para não me contrariar": relato de mulher com transtorno bipolar
Com alterações de humor que iam da irritação à tristeza, a dona de casa Bel Bento, 52, era vista como uma pessoa de temperamento difícil. As crises de depressão e euforia se tornaram evidentes e, após seis internações, vários exames e tratamentos, ela foi diagnosticada com transtorno bipolar. Nesse relato, ela compartilha como viveu com o diagnóstico errado de depressão por anos e as dificuldades causadas pela doença na vida pessoal e profissional.
“Os primeiros sinais apareceram quando eu tinha 32 anos, logo depois de ter meu segundo filho. Eu ficava muito cansada da dependência dele. Parecia que eu nunca ia me ver livre daquele círculo vicioso de amamentar, dar banho, trocar, colocar para dormir. Eu também ficava irritada com a minha filha mais velha, que na época tinha oito anos. Não tinha paciência para levá-la à escola, ajudar nas lições e fazer atividades comuns de uma mãe.
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Eu não sentia vontade de fazer nada, não tinha força, nem objetivo. Se eu pudesse, ficaria o dia todo na cama. Procurei um psiquiatra e ele me diagnosticou com depressão pós-parto. Comecei a tomar alguns remédios e melhorei um pouco, mas ainda me sentia instável.
Eu tinha muitas alterações de humor, mas eu não percebia isso, as pessoas mais próximas comentavam que o meu temperamento era difícil. Sem saber que eu era portadora de transtorno bipolar, eu tinha crises de depressão e de euforia.
Já fiquei três dias sem tomar banho
Nos episódios de depressão, eu ficava triste, chorava, me isolava e não queria falar com ninguém. Eu não me importava com nada. Numa das vezes, cheguei a ficar três dias sem tomar banho e perdi quase 10 kg. Parecia um zumbi. Eu não limpava a casa e me arrastava para cuidar dos meus filhos pequenos. Dava banho e comida para eles chorando. Pedia para eles não conversarem comigo.
Nas crises de euforia, eu era explosiva, ficava dias sem dormir, era muito agitada, falava alto, gesticulava bastante e gastava compulsivamente sem ter dinheiro. Num dos episódios, eu fui ao salão de beleza e gastei mais de R$ 1.200 fazendo unha, cabelo, depilação. Numa outra vez, entrei num site de utilidades domésticas e decoração e gastei R$ 3 mil.
A doença também afetou a minha carreira como vendedora. Meus colegas de trabalho tinham medo de mim, porque eu era uma pessoa agressiva. Teve uma vez que eu gritei com o meu gerente no meio da loja, na frente de alguns clientes porque eu queria que ele resolvesse um problema com o meu salário. Meus colegas eram orientados a não me contrariar.
Num ato de desespero, tomei um monte de remédio e tentei me suicidar
Em casa, a situação era complicada. Havia fases em que eu gritava, batia a porta e quebrava alguns objetos quando meus filhos sujavam a casa ou não limpavam alguma coisa direito. Eles ficavam paralisados me olhando assustados. A minha reação era muito desproporcional ao que tinha acontecido, mas eu não fazia isso conscientemente, era do sintoma do transtorno.
No início, meu marido achava que minhas crises eram frescura e ficamos afastados por causa disso. Eu e minha família sofremos bastante porque não entendíamos o que estava acontecendo comigo.
O pior momento foi durante uma depressão profunda em que eu tomei um monte de remédio e tentei me suicidar. Foi um ato de desespero, eu queria sair daquele buraco no qual eu me encontrava, queria acabar com a dor e a angústia que eu estava sentindo. Meu marido me encontrou inconsciente no quarto e me levou ao hospital.
Fui internada seis vezes em dez anos. Eu me sentia culpadada por estar longe do meu marido e dos meus filhos. Eu me cobrava e me achava uma mãe ruim. A médica me explicava que eu estava doente e que eu não deveria me sentir mal.
Tirei um peso das costas quando descobri que era bipolar
Ao longo desse período, os médicos fizeram uma investigação aprofundada e, após vários exames, fui diagnosticada com transtorno bipolar. Durante uma década tive o diagnóstico errado de depressão. Eu me senti aliviada quando descobri que era bipolar, tirei um peso das costas. Passei a tomar os remédios corretos e os sintomas diminuíram.
Estou estável há dois anos. Duas vezes por mês vou ao psiquiatra e uma vez por semana ao psicólogo. Busco apoio na minha família e amigos. Assumi a bipolaridade para conscientizar as pessoas de que é uma doença e de que é possível ter uma vida normal como o tratamento certo. Nunca liguei para o preconceito que sofri ou as risadinhas que ouvi, quem critica e julga é ignorante. Só quem tem esse transtorno sabe o sofrimento que é e como é preciso ter perseverança para lutar contra essa doença todos os dias”.
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