Marina Silva já teve espingarda. Hoje sua arma é o "convencimento feminino"
Marina Silva tem medo de avião.
Para distrair o medo, nas últimas viagens, teceu um mantô, o que aparece na foto, com contas e 2.842 nós de linha.
A candidata à presidência pela Rede já não gostava de voar, antes mesmo do acidente que matou Eduardo Campos, então concorrente ao Governo em 2014, e que a alçou, em meio à tragédia, na disputa pelo cargo. Pela terceira vez no pleito (a primeira foi em 2010), Marina traz novidades.
Caso eleita, ela vai inaugurar a figura do primeiro-cavalheiro; Marina é casada. Será também uma política que não "caricatura o tipo de liderança masculina", assegura. Acostumada a carregar uma espingarda para se proteger de agressões masculinas, quando era criança e trabalhava num seringal, no Acre, Marina ensaia fazer com seu concorrente mais perigoso - em sentidos múltiplos - Jair Bolsonaro, o que fazia com a arma: "Minha mãe me mandava trabalhar com a espingarda, mas ela não tinha munição. Era um símbolo". A saber, ela não considera Bolsonaro um inimigo; mas adverte: "A sociedade brasileira deve ficar atenta. Ele tem posições altamente perigosas para a democracia".
Marina, ou Osmarina, como foi batizada pelos pais, falou à Universa:
Por que devemos eleger mais uma presidente mulher?
Quando entram na cena política, sem caricaturar os homens, as mulheres conseguem a liderança mais pelo convencimento do que pela autoridade. E esse tipo de liderança é mais efetivo porque as pessoas se sentem investidas de uma missão. Mulheres entregam missões. Alguém com uma obrigação faz a metade dela. Já com uma missão, faz o que pedido e mais metade. O modelo patriarcal é todo mundo fazendo para botar a estrela no líder. Só que hoje, isso é muito chato.
A ex-presidente Dilma caiu na armadilha de caricaturar a liderança masculina?
Não vamos comparar. As mulheres são capazes de ações colaborativas, em que se juntam diferentes competências. Temos problemas complexos, de contingentes de refugiados, aquecimento global, escassez de água, economia no fio da navalha, e é preciso uma plêiade de olhares para lidar com isso. O feminino compartilha o autor difuso.
Quais mulheres políticas a senhora admira?
Gosto da força da Marieta Severo. Da autoridade matriarcal da Fernanda Montenegro. Da forma meio indiferente, às vezes moleca, da Maitê Proença. Da alma solta da Cássia Kiss. Da coragem combativa da Heloísa Helena. E tenho um carinho grande pela força sobrevivente da Benedita da Silva (PT-RJ). Ela encara todo tipo de preconceito. Eu a vi encarar o preconceito do próprio governo do qual fazia parte (o PT), do qual foi demitida por causa de R$ 5 mil reais gastos para fazer uma reunião na Argentina. Depois, vendo aqueles que roubaram a Petrobras, os fundos de pensão, o Banco do Brasil, a Belo Monte...
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A senhora admira a força sobrevivente da Dilma?
É cedo para dizer que ela sobreviveu. Quando se ocupa o cargo mais alto da República, esse tempo se estende na história. Eu nunca poderia imaginar que a desconstrução da minha vida como mulher, negra, filha de seringueiro e ex-empregada doméstica, pudesse ser patrocinada por uma mulher. Aliás, se existia alguma pessoa que eu esperava cumplicidade e respeito, era a Dilma.
Quais foram os pontos nevrálgicos dessa desconstrução?
Dizer que eu acabaria com o Bolsa Família? Que eu tiraria comida da boca dos trabalhadores para entregar aos banqueiros? Que eu iria acabar com o Minha Casa, Minha Vida? A direção do PT sabe que isso não é verdade.
A senhora já sofreu algum tipo de agressão sexual?
Não, que eu tenha conhecimento.
Nem na época em que era lavradora?
Fui sempre muito protegida. Venho de uma família de matriarcas, de mulheres fortes. Minha mãe tinha medo de abordagens violentas e me fazia levar uma espingarda para o seringal. Mas era um problema, primeiro porque eu não sabia atirar e depois, porque a espingarda ia sem cartucho (Marina sorri com a lembrança). Era um símbolo.
É terceira vez que concorre à presidência. É mais fácil ou mais difícil agora?
É mais realista. Na última, a situação era uma tragédia (a morte de Eduardo Campos, num acidente de avião, alçou Marina, então vice, à posição de candidata). Ficar no lugar de alguém, naquela investidura, foi muito pesado. Agora, é realidade: partido, programa, coerência, tranquilidade de disputar a presidência com uma visão republicana. Para mim, não vale tudo. Tenho uma atitude de respeito aos adversários.
Ciro Gomes disse mesmo que "faltava testosterona" à sua campanha?
Não foi desta forma. Ciro disse que o momento era de muita testosterona, e que eu não tinha esse perfil psicológico. Não vou me aproveitar disso politicamente. Eu quero ganhar, ganhando. Ser capaz de pedir a ajuda de Ciro Gomes para governar.
Jair Bolsonaro: que primeiras palavras que lhe vêm à mente?
Não tenho que transformá-lo em inimigo, porque é concorrente. Todavia, é um concorrente que tem posições altamente perigosas para a democracia. Quando você acha que pode resolver a violência liberando as armas, vai contra o princípio máximo de que quem pode reprimir o crime é o Estado e não as pessoas. Quando você não tem uma visão de tolerância em relação às mulheres, aos índios e à comunidade LGBT, também é preocupante. A sociedade brasileira deve ficar bem atenta.
A bancada evangélica apoia a senhora ou Jair Bolsonaro?
Não tenho uma relação formal com a bancada evangélica, nunca participei dela. Há parte do segmento evangélico que me apoia; assim como do católico, dos que não tem crença, espíritas e de matriz afrodescendente.
Acha fundamental que metade do seu ministeriado seja de mulheres?
Essa experiência, muito interessante, foi feita no Canadá. Mas não sei se a gente precisa botar metade como um corte. O importante é assegurar que haja mulheres competentes do ponto de vista técnico e ético.
Se eleita, a senhora vai inaugurar a modalidade do primeiro-cavalheiro. Planeja, com seu marido, algo para essa função?
O marido de uma presidente deve fazer aquilo que se sentir abençoado a fazer, sem que isso tenha um peso político. A primeira-dama ou primeiro-cavalheiro não são eleitos para desempenhar uma função. Meu marido desempenha a vida dele. Não tem nenhuma atitude pretensiosa.
Em que ele trabalha?
Até pouco tempo, em uma cooperativa de pesca, como técnico agrícola. (Fábio Vaz foi também subsecretário do governador do Acre, Jorge Viana (PT). Hoje, não trabalha para poder me ajudar e para cuidar da mãe, que está com Alzheimer.
A senhora costuma dizer que faria um plebiscito para ver o que a população acha do aborto. Essa é uma saída fácil, uma vez que a resposta já é sabida: a população não quer. O assunto, portanto, esgota-se aí?
Sou pessoalmente contra o aborto, mas não acho que nenhuma mulher deva ser presa (como prevê a legislação, em muitos casos). O que queremos é que não haja gravidez que não tenha sido desejada. E o melhor meio para alcançar isso é fazendo um debate em torno do plebiscito.
Que pergunta constaria do plebiscito?
Em primeiro lugar, o debate deveria ser feito para chegar na pergunta. A gente tem que perguntar, por exemplo, o que é melhor para dar suporte ao que ela (a mulher) não deseja. Mas essas perguntas devem ser debatidas por médicos, advogados, filósofos, feministas, religiosos. Criar um espaço de respeito, em que as pessoas possam ser atravessadas pelo argumento do outro.
De seu plano de governo de 2014, constava o Programa de Planejamento Reprodutivo que previa o oferecimento de contraceptivos pelas farmácias populares, entre outras diretrizes. Ele será mantido?
Estamos em fase de elaboração do plano. Alguns temas estão sendo revisitados, para fazer atualizações.
Considera-se feminista?
Me considero defensora dos valores do feminino.
Por que não usa Osmarina, seu nome de batismo?
Minha tia Matilde, que hoje tem 84 anos, me colocou o apelido de Marina. Era uma limitação da língua: ela não conseguia falar Osmarina, fala Órmarina. Minha mãe não gostou quando ela falou Órmarina e ela disse que ia me chamar de Marina. Fiz um processo em 1986 para mudar meu nome. "Vote Osmarina" ia ficar muito estranho.
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