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Eles explicam por que pararam de ver pornô. E sugerem alternativas eróticas

Documentário "Hot Girls Wanted", da Netflix, aborda violência contra jovens que trabalham na indústria pornográfica - Reprodução
Documentário "Hot Girls Wanted", da Netflix, aborda violência contra jovens que trabalham na indústria pornográfica
Imagem: Reprodução

Helena Bertho

da Universa

30/05/2018 04h00

Um dos debates mais acalorados do feminismo está ligado à pornografia: seriam os vídeos e filmes pornôs uma forma de violência contra a mulher? Muitas pessoas acreditam que sim. Elas sustentam que as atrizes passam por abusos durante as gravações e que os vídeos são voltados apenas para as fantasias masculinas. 

Por causa de ideias como essas, mulheres e até homens decidiram parar de assistir pornografia. É o caso da estudante Júlia Borges, de 21 anos. "Fui viciada em pornografia durante a adolescência. Mas sempre me sentia mal assistindo. Como eu era virgem, achava que o problema era comigo, com a minha libido", conta.

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Quando perdeu a virgindade, aos 16, ela passou a achar a pornografia violenta. "Fui crescendo e me descobrindo no feminismo radical. Percebi que aquele mal-estar era por causa das agressões verbais contra as mulheres, da violência física e do ato totalmente focado no prazer masculino", diz Júlia. 

Abusos nas filmagens 

Abusos supostamente sofridos no set são um dos motivos mais citados pelos entrevistados que contaram ter desistido dos pornôs. A servidora pública Rubiana Rocha, de 24 anos, conta que a pornografia foi parte importante de sua descoberta da sexualidade. "No entanto, há alguns anos, fui pesquisar sobre a indústria pornográfica. Vi muitos documentários e soube de diversos modos de violência contra as atrizes". Ela soube que atrizes são machucadas, não recebem o cachê que foi combinado e não têm assistência médica, por exemplo. "Depois de tudo isso, não fazia mais sentido consumir aquilo."

Entre os documentários, "Hot Girls Wanted", da Netflix é um dos mais famosos nessa seara. Ele conta histórias de jovens que trabalham na indústria pornográfica.

O empresário Alexandre Morgado, de 34 anos, parou de ver pornografia depois de assistir ao documentário. "Me peguei assistindo a vídeos na internet, pensando: 'essa mina não tá curtindo essa parada. Tá na cara dela. Mas ela tem que ficar ali, fingindo que é tudo um tesão'". 

Mulheres em situação passiva 

"Quase todos os vídeos mostram mulheres extremamente artificiais", analisa a estudante Júlia Lelli, de 20 anos.

Para ela, os pornôs estimulam os homens a reproduzir em suas relações sexuais cenas e comportamentos. "Eles sempre colocam as mulheres em posições passivas", diz Júlia. 

"Nos últimos anos, houve uma escalada da pornografia violenta. Um tipo de gênero baseado na desmoralização da mulher e sua colocação como simples objeto sexual", acredita Alexandre Morgado. "Mesmo a pornografia dita amadora, gravada por pessoas 'comuns', trazem essas características. E podem ainda ser vídeos publicados sem consentimento". 

Cresce procura por pornô focado no prazer feminino

Erika Lust propõe um pornô feminista, mas algumas mulheres questionam a validade desse tipo de filmes - Reprodução/ Erikalust.com - Reprodução/ Erikalust.com
Gravação de filme de Erika Lust, que propõe um pornô feminista, mas algumas mulheres questionam a validade desse tipo de filmes
Imagem: Reprodução/ Erikalust.com

O consumo de pornografia, a despeito do que pensam pessoas como as entrevistadas, continua grande: em 2017, a média de visitas diárias ao site Pornhub, um dos maiores do mundo, foi de 81 milhões. E, sinal importante: o tipo de vídeo mais buscado foi o pornô para mulheres; os que costumam mostrar cenas de prazer feminino. 

Uma pesquisa realizada pela plataforma brasileira Sexy Hot mostrou que 17% de seu público se define como "pornograficamente correto". A definição desse termo, no entanto, é controversa: os pornograficamente corretos dizem que assim o são porque o que conta é o conteúdo (a história) e valem os ângulos e cenas mais trabalhados, por exemplo. 

Existe pornô feminista? 

O chamado pornô feminista também tem crescido. Tratam-se de filmes feitos majoritariamente por mulheres, focado em mulheres, que priorizam corpos femininos "reais" e produções mais refinadas. No entanto, até esse tipo de filmes é motivo de controvérsia. "Não existe pornô feminista", diz Júlia Borges, que acredita que o estilo é só uma outra forma de explorar as mulheres. "As atrizes envolvidas são pagas para serem estupradas. Não existe brecha para feminismo nesse meio. E a indústria do sexo, como qualquer outra, visa o lucro. É um lucro em cima dos nossos corpos."

A segunda temporada da série "Hot Girls Wanted", inclusive, se debruça sobre esse tema. Os produtores acompanharam, por exemplo, as gravações de Erika Lust, o maior nome do pornô feminista atual.

O que ver para se estimular?

Júlia Lelli lê contos e poemas, especialmente, os feitos por mulheres. Ela também "se arrisca" no pornô feminista, de Erika Lust. "As mulheres devem ocupar todos os espaços, inclusive o do pornô. A gente deve se apropriar dele e tratar as atrizes com respeito e empatia. Não podemos deixar essa indústria nas mãos dos homens somente", diz.

Já Júlia Borges, que não acredita nessa alternativa, usa apenas a imaginação. "Funciona perfeitamente". Rubiana  Rocha diz se estimular ilustrações eróticas.

Para o jornalista Victor Gouveia, de 30 anos, a saída são os Tumblrs de materiais caseiros. "E também, minha memória. Li reportagens dizendo que a hiperexposição a imagens eróticas provoca no cérebro vários problemas; entre eles, dificuldade para se excitar naturalmente e ejaculação precoce".

Alexandre Rocha tem outra fonte: "Conheci plataformas autorais de pornografia, em que artistas produzem conteúdos nos seus termos e os disponibiliza para compra", diz Rocha. Um desses sites se chama Spit Magazine. "Se você quer algo que valorize respeito, inclusão, diversidade e realidade, vale a pena pagar".