Sofri preconceito por pessoas mal resolvidas sexualmente, diz Nicole Puzzi
Ela é --muito antes de a palavra entrar em voga-- o que se convencionou chamar de "empoderada". Aos 60 anos, Nicole Puzzi comanda o "Pornolâdia", programa do Canal Brasil que vai ao ar toda quarta-feira, à meia-noite, e no qual recebe entrevistados para conversas reveladoras sobre sexo.
O assunto nunca foi tabu para a atriz. "Sempre fui liberal", faz questão de dizer. Nicole começou a carreira artística os 13 anos de idade, como modelo, para, em seguida, fazer shows ao vivo em circos, estádios e teatros com o grupo "Os Trapalhões".
Foi Dedé Santana quem a apresentou para David Cardoso, o Rei da Pornochanchada, que, por sua vez, a indicou para participar do filme "Possuídas pelo Pecado" (1975), de Jean Garret.
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Embora as produções da chamada Boca do Lixo --região no centro de São Paulo onde ocorriam as filmagens-- contassem com várias cenas de nudez e tivessem nomes sugestivos --como "Escola Penal de Meninas Violentadas" e "Reformatório das Depravadas"--, muitas apenas insinuavam momentos mais ousados.
Mesmo assim, eram associadas ao sexo explícito e os castings, volta e meia, sofriam preconceito por parte de artistas de filmes "mais sérios" ou da televisão. Nicole, porém, diz que nunca ligou para o falatório alheio. "Só fiz os filmes que eu queria fazer. Nunca trabalhei por necessidade. Ninguém me forçou a nada".
O título de maior sucesso de sua carreira é "Ariella" (1980), no qual vivia uma paixão proibida com a personagem de Christiane Torloni, mas ela prefere não apontar um favorito. "Gostei de todos".
A experiência a levou a escrever "A Boca de São Paulo", livro que trata de suas memórias e dos bastidores dos filmes que estrelou. Na TV, seu papel mais memorável foi o da médica Luísa na novela global "Barriga de Aluguel" (1990).
Além de comandar o "Pornolândia", Nicole, atualmente, ministra palestras sobre sensualidade em todo o Brasil e se prepara para a estreia da peça "Transex", no teatro Estação Satyros, em São Paulo, no dia 27 de junho.
Dirigido por Rodolfo Garcia Vasquez, o espetáculo conta com artistas de diversos gêneros e quer quebrar tabus. A seguir, a atriz fala sobre o programa que apresenta, sexo e feminismo:
Como você se sente à frente do "Pornolândia"?
O sucesso de "Pornolândia" surpreende a mim mesma. Isso é muito bom. É o resultado de um trabalho sério, profissional e ético apresentando um programa em que cada convidado fala sobre sua opinião, atitude, posição ou fetiche em relação ao sexo e é respeitado. Não exalto nem menosprezo as pessoas e suas preferências. Não nos cabe julgar. Sou apenas a ouvinte de pessoas que lidam com o sexo sem preconceito nem culpa.
Gostaria de receber alguém em especial no programa?
Nós temos uma lista imensa de espera de pessoas que nos enviam release. São essas pessoas as minhas preferidas, pois querem participar, e espero atendê-las o mais rapidamente possível. Trato todos meus entrevistados como especiais, sejam famosos ou não.
É mais fácil falar de sexo hoje do que nos anos 1970, a era de ouro das pornochanchadas?
Aparentemente, sim, mas o preconceito persiste, infelizmente. Vivemos num país confuso onde as pessoas incentivam a liberdade sexual ao mesmo tempo em que criticam quem vive nesses moldes.
O que você costuma ensinar em suas palestras sobre sensualidade?
Falo sobre amor e sexo consentidos e sobre como ninguém precisa se violentar para provar que é bom ou boa de cama. Tudo bem seguir seus desejos e fazer loucuras, desde que seja consensual.
Sexo é um assunto que sempre rende novidades?
Sexo é a origem da vida e o fator psicológico mais significativo para o ser humano desde a história bíblica de Adão e Eva, só que, infelizmente, privilegiando o homem em detrimento da mulher. No mundo moderno, a última novidade, para mim, ocorreu nos séculos 17 e 18, com as obras do Marquês de Sade e de outros grandes escritores libertinos. Hoje, acho que não há mais novidades nesse campo. O que surpreende, na minha opinião, é a continuação de tabus sexuais.
O que o sexo representa para a sua vida?
Sexo faz parte, mas nem sempre é essencial. Existem momentos de intimidade que nem sempre precisam de sexo. Sempre fui muito liberal, então poucas coisas mudaram em mim nesse sentido com o tempo.
Você se considera feminista?
Sou feminista nos moldes das feministas dos anos 1970, aquelas que exigem seu lugar no mundo corporativo, querem equiparação salarial e almejam liberdade sexual e igualdade com os homens. Ninguém deveria ser tão discriminado como as mulheres são por alguns homens e por outras mulheres. Muitos homens precisam de uma “ajudinha” para entender o que chamamos de discriminação ou sexismo. Porém, muitas de nós também precisam entender que falar mal umas das outras ou desmoralizar outra mulher é burrice e fortalece o domínio masculino em todas as áreas. Precisamos nos unir e nos respeitar como fêmeas que somos.
Na sua opinião, o maior problema que impede as mulheres de irem mais longe é o próprio machismo de muitas delas?
Definitivamente, não. Essa atitude tola é muito pequena diante de milênios de domínio masculino, de religiões patriarcais, de segmentos políticos, de força física necessária desde os primórdios etc. Porém, é claro que o feminismo ganharia muito se as mulheres fossem menos machistas e mais empáticas umas com as outras. A união entre as mulheres tornaria a vida feminina mais suave e menos sofrida.
Você enfrentou preconceitos ao longo da carreira? Em algum momento sentiu que por ter feito pornochanchada as pessoas a tratavam de outro modo?
Óbvio que fui vítima de preconceito por causa dos filmes nos quais atuei, mas somente por pessoas mal resolvidas sexualmente. O que elas viam ou ainda veem em mim é a imagem estereotipada de uma mulher sexy. Mas, se isso me afetou, foi muito pouco. Não ligo para opinião alheia. Meu lema de vida sempre foi "nenhuma crítica me afeta, nenhum elogio me compra”.
Você sempre fez questão de dizer que nunca quis se casar nem viver com alguém sob o mesmo teto. Por quê?
Nunca senti necessidade de me casar nem nunca tive interesse em uma vida a dois numa mesma casa. Meu estilo de vida é tão prazeroso que não pretendo mudar. Sou a favor do casamento, mas não acho que seja a fórmula da felicidade para as pessoas.
Como é o seu dia a dia?
Simples demais. Acordo cedo, faço meditação, passeio com meus cães... Tenho cinco cadelinhas bravas e um machinho submisso. Se tenho algum trabalho ou gravação, me dedico muito. Se é um dia de folga, porque faço questão de ter folgas, leio livros diversos, ouço muito rock... Ah, não abro mão de assistir shows de rock, nunca em camarotes, mas na pista, na primeira fila. Para isso chego com horas de antecedência, sem me importar com chuva ou sol.
Qual o momento mais difícil que enfrentou na vida?
Em menos de um ano, enfrentei a descoberta da esclerose múltipla de meu irmão, a morte de minha mãe e a anorexia de minha filha. Atualmente, minha filha [Dominique Brand, 36 anos, modelo] é minha melhor amiga; meu irmão, mesmo numa cadeira de rodas, conserva um humor e um astral impressionantes e minha mãe, com seu jeito bondoso, alegre e sorridente, certamente deve estar em algum lugar maravilhoso.
Você se sente realizada?
Estou feliz. Vivi tanto, tenho uma família amorosa, sou muito querida pelos amigos. Estou impressionada com minha energia e beleza aos 60 anos. A única coisa que me falta é morar no Havaí.
Se pudesse dizer algo a Nicole do início de carreira, o que diria?
Siga em frente, você está no caminho certo. E sofrimento faz parte da vida de quem busca a felicidade.
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