"Perdi totalmente a memória e meu marido me conquistou pela segunda vez"
Na memória da palestrante Solange Almeida, 56, só estão gravadas as lembranças do que ela viveu dos 38 anos de idade até hoje. Após sofrer um desmaio, em 2000, ela teve um apagão, acordou sem saber sua identidade e passou a se comportar com uma criança de dez anos. A seguir, ela conta seu processo de reaprendizado.
“Eu perdi a memória no dia 29 de maio de 2000, aos 38 anos de idade. Meu marido, o Marcos, conta que ouviu um barulho e me encontrou desmaiada no banheiro. Eu tive um apagão. Quando acordei, eu não o reconheci, não sabia quem eu era nem onde eu estava. Fiquei confusa com ele me perguntando várias coisas, falando que eu me chamava Solange e que ele era meu marido.
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Ele me levou ao hospital e eu fiz vários exames. Inicialmente os médicos suspeitaram que a perda de memória poderia ter relação com o hemangioma que eu tenho no rosto, mas descartaram essa hipótese. Eles constataram que eu sofri um AVC, mas até hoje não conseguem explicar o que aconteceu comigo.
Não sabia escrever, tomar banho nem limpar a casa
Os especialistas identificaram que eu passei a viver e a me comportar como uma criança na faixa etária de dez anos. Eu andava e falava de forma infantil. Descobrimos que a única coisa que eu sabia fazer era ler, o resto não sabia nada. Perdi a coordenação motora, tive de aprender a escrever, a conjugar verbos, a fazer conta de matemática, a tomar banho, a escovar os dentes. Não sabia limpar a casa, cozinhar nem identificar os sabores das comidas.
Na época, eu era casada havia 18 anos e tinha dois filhos, a Daphine, de 16, e o Diego, de 12. Eles me chamavam de mãe, mas eu não respondia. Eu os enxergava como duas crianças com quem eu gostava de brincar e que me ajudavam a estudar. Nessa fase, meus pais vieram morar com a gente para cuidar de mim e da casa. Eles escondiam objetos cortantes e pontiagudos para eu não mexer.
Fazia tratamento com neurologista e psicólogo e, paralelamente a isso, tentava resgatar as lembranças através de fotos e de conversas com pessoas que me falavam do meu passado. Eu ficava bastante irritada porque não conseguia me recordar de nada. Às vezes, via minha família chorando e não entendia o motivo.
Durante dois anos, eu passei pela fase infantil, adolescente e adulta. A minha última transição aconteceu por iniciativa do meu marido, que sugeriu me levar aos eventos que ele ia para eu ter contato com outras pessoas. Ele era vendedor de produtos cosméticos. Eu observava como as mulheres se portavam, arrumavam o cabelo, as unhas, e tentava imitá-las. Passei a me interessar pelo universo feminino, amadureci e fui mudando a minha postura, o meu jeito de falar e de me vestir.
Antes de perder a memória, me falaram que eu era decoradora. Eu queria trabalhar. Tentei achar emprego como secretária, mas não consegui, era reprovada nas entrevistas porque não tinha nenhuma experiência. Resolvi ocupar meu tempo fazendo cursos voltados à área doméstica, como lavar, passar roupa, organizar armários, cozinhar e limpar a casa.
Chamava meu marido de pai e só tivemos nossa ‘primeira relação sexual depois de um ano e meio’
Eu e meu marido ficamos afastados como homem e mulher por um ano e meio. Nesse período, ele não me tocou nem tentou nada. Houve algumas vezes em que o chamei de pai porque era a forma como via as crianças se dirigindo a ele. Ele me corrigia e dizia para chamá-lo pelo nome. Ele me levou a alguns lugares que costumávamos frequentar, como restaurantes e o hotel onde passamos nossa lua de mel, para tentar despertar minhas lembranças, mas não funcionou.
Tivemos nossa ‘primeira’ relação sexual num dia em que vi uma foto minha grávida e perguntei por que eu estava com a barriga grande e como aquilo tinha acontecido. Ele disse que iria me explicar na prática, mas que podíamos parar se eu não quisesse. Ele me levou para o quarto e foi muito delicado, amoroso e gentil. Foi um misto de sensações. Era como se tivesse sido a minha primeira vez. Ele me paquerava, me reconquistava e aos poucos eu fui me apaixonando por ele.
Eu me casei pela segunda vez em 2014. Uma amiga organizou um casamento surpresa para mim. Ela convidou eu e o Marcos para um encontro de casais. Depois do evento haveria uma festa à fantasia com o tema de princesa e príncipe. Fui vestida de branca de neve. Tomei um susto quando vi meus filhos, minha nora e meu genro no local. Eles me revelaram que aquela festa, na verdade, era o meu casamento. Chorei de emoção. Meu filho me conduziu ao altar e um pastor fez a cerimônia. Foi lindo.
Meu passado não me faz falta, vivo cada dia como se fosse o último
Nunca recuperei a memória, tudo o que sei do meu nascimento até os 38 anos de idade são das histórias que me contaram. Não me lamento de não me recordar do meu passado. Com a ajuda de Deus e da minha família consegui reprender tudo e a me reinventar. Hoje em dia sou palestrante e trabalho com aconselhamento e terapia para casais da igreja. Dou meu testemunho de vida. Aproveito o presente e vivo cada dia como se fosse o último”.
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