"Meu filho precisou de 23 cirurgias no rosto e disseram que ele morreria"
A professora Sandra Xavier Caetano, 47, descobriu no dia do parto que o filho Marcel havia nascido com uma malformação craniofacial. “Foi doloroso vê-lo. Fiquei assustada pensando como cuidaria dele”. Portador da Treacher Collins, síndrome retratada no filme ‘O Extraordinário’, Marcel, hoje com sete anos, não teria chances de sobreviver, segundo os médicos. Nesse relato, Sandra conta como ela e marido, Sérgio, 63, têm lutado para o filho ter uma vida normal.
“Todos os exames do pré-natal indicavam que o Marcel estava bem de saúde. No dia do parto, porém, percebi uma correria, havia algo errado, mas eu não sabia o que era. Ele foi levado para outra sala assim que nasceu. Depois de um tempo, meu marido disse que nosso bebê tinha um problema e que estava com dificuldade para respirar. Ele foi submetido a uma traqueostomia.
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Os médicos não queriam me mostrar meu filho, pois achavam que eu não aguentaria o impacto. Eles falaram que ele tinha nascido com uma malformação craniofacial e que eu precisava ser forte. Nosso primeiro encontro foi chocante. Foi doloroso vê-lo. O rosto dele estava inchado, os olhinhos eram caídos, quase na altura da boca, o queixo era reto e ele não tinha as duas orelhas. Eu fiquei assustada pensando como cuidaria dele.
No dia seguinte, a geneticista diagnosticou o Marcel com síndrome de Treacher Collins. Ela me explicou que o rosto dele havia parado de se formar durante a gestação por uma alteração genética.
Médicos diziam que meu filho não sobreviveria
Inicialmente, os médicos falaram que ele não passaria de 48 horas, depois de uma semana, de um mês, de um ano. Se ele sobrevivesse, não iria andar, escutar, falar e, provavelmente, não iria enxergar. Nosso mundo desabou, mas ao conhecer um urologista do próprio hospital que era portador da mesma síndrome, tivemos esperança. Ele disse que a caminhada seria difícil, mas que não poderíamos desistir. Naquele dia, eu e meu marido fizemos uma promessa de que se o Marcel vivesse, não nos privaríamos de nada, teríamos uma vida normal dentro das possibilidades.
Procurávamos nos informar sobre a doença e as formas de tratamento que ajudariam nosso filho a se desenvolver. No hospital, ele fazia a fisioterapia respiratória e a fono para estimular a motricidade e a linguagem. Em casa, o incentivávamos de diversas maneiras. Realizávamos testes com luz e barulho para observar se ele enxergava e escutava. Ele se comunicava com a gente através de gestos e sinais. Cada dia era uma evolução.
O Marcel já fez 23 cirurgias para reconstruir e corrigir o rosto. A previsão é que ele faça mais até completar 21 anos. Toda vez que ele é operado, eu temo pela vida dele. É horrível vê-lo sofrer e não poder fazer nada. O pós-operatório é delicado e exige bastante atenção. Tinha época que eu ficava uma semana em casa e 20 dias no hospital. Foi uma fase difícil de conciliar o cuidado com ele e com o Renato, meu outro filho. Meu marido era meu porto seguro e me ajudava em tudo.
Desde cedo, sociabilizamos o Marcel para ele ser independente. Ele precisa ter responsabilidades e entender que não é porque nasceu diferente que será tratado com piedade.
Aos cinco anos, mandamos ele para a creche. Uma psicóloga conversou com as crianças para explicar o problema dele. Ele se adaptou rápido e foi bem acolhido. Na escola, a situação já foi mais complicada: ele sofreu bullying de alguns colegas, que não se aproximavam por medo. Nós trabalhamos a autoestima dele dizendo que ele é lindo e inteligente. Elogiamos bastante, mas quando ele erra, o corrigimos e repreendemos.
Policial me deu voz de prisão alegando que eu tinha espancado meu filho
Quando saímos, percebemos o preconceito das pessoas. Algumas cochicham, outras perguntam por que ele é assim. Teve uma vez que um policial me deu voz de prisão alegando que eu havia espancando meu filho. Ele estava com os olhos roxos e inchados se recuperando de uma cirurgia. Estávamos no hospital aguardando atendimento quando o policial disse: ‘Eu vou te prender, você é louca, é um animal, como tem coragem de maltratar e bater numa criança?’. Esclareci a situação e ele se desculpou.
Meu filho é extraordinário. Para uma criança que não viveria nem 48 horas, hoje ele está com sete anos e tem uma vida normal: anda, fala, escuta, enxerga. Ele é apaixonante. Nunca me lamentei por ele ter nascido assim. Já chorei, me desesperei, mas sempre me levantei. Se Deus me mandou ele desse jeito é porque me capacitaria para ser mãe dele. Ele não me daria uma cruz mais pesada do que eu pudesse carregar. Sei que ainda teremos obstáculos, mas continuaremos vivendo um dia de cada vez. O amor de um filho nos dá uma força que nem imaginamos ter”.
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