Mulheres da Cracolândia recebem implante para prevenir gravidez
Usuárias de drogas ou moradoras de rua receberam implantes contraceptivos subdérmicos (colocados debaixo da pele) para prevenir a gravidez indesejada. O anticoncepcional, que dura três anos, é fornecido e colocado pelo Projeto Gravius, do Hospital Pérola Byington. E, em quatro anos de ação, cerca de 400 mulheres da região da Cracolândia já foram atendidas.
"A gravidez, nessa população, é de risco. Aumentam a mortalidade, as doenças, a prematuridade, o aborto. Sem falar nas consequências das drogas, propriamente ditas", explica o criador do projeto, o ginecologista Luis Carlos Sakamoto.
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A maioria delas (41,6%) é usuária de crack, e 36,7% das atendidas não usava nenhum método de prevenção da gravidez, até o implante, segundo o último relatório do programa, de 2015. Ele ainda aponta que 16,1% delas tiveram um aborto; 20,6%, um filho prematuro.
Sakamoto conversou com a Universa sobre esse trabalho:
Universa: Qual é o impacto do programa, desde que existe?
Sakamoto: A redução de danos da gravidez indesejada. Essas mulheres tiveram, antes do implante, por volta de três filhos. Prevenindo todas essas gestações não planejadas, a gente tem uma economia de, aproximadamente, R$ 350 mil a cada 100 mulheres [para os cofres públicos]. E eu estou reduzindo apenas para os gastos em saúde pública.
E em relação às mulheres?
A gente atende cerca de 300 mulheres usuárias de drogas ilícitas. Delas, tivemos três mortes, consequência da droga, como brigas ou doenças cardíacas. Tivemos apenas uma gravidez, que está dentro da taxa de falha do implante. Temos, ainda, uma porcentagem de mulheres que estava em situação de rua ou internada e largou as drogas. Não temos números oficiais sobre a gravidez, mas de observação, quando começamos, via por volta de 50 grávidas na Cracolândia ou mais. Ao final de três anos, tinha não mais do que três ou cinco grávidas.
Ser usuária de droga ou estar em situação de rua aumenta o risco de gravidez indesejada?
Sim. São mulheres que são vítimas de violência física, sexual e psicológica. Um terço delas troca sexo por droga ou por dinheiro para comprar droga. E muitas fazem sexo sem prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Como funciona o atendimento?
Inicialmente, como a gente não tinha nenhuma experiência, fizemos parceria com o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (CRATOD), que tinha pacientes que procuravam o serviço para fazer tratamento. Elas faziam, antes, a internação para uma desintoxicação de alguns dias. E, durante esse período, essas mulheres eram abordadas para ver se queriam evitar filhos. Aquelas que queriam eram encaminhadas para o Pérola Byington.
Vocês não iam às ruas procurando essa mulher?
Não, porque a gente não tinha nenhum conhecimento dessa mulher. E é uma população muito difícil. Você tem que conversar com ela e, se ela topar, encaminhar para o hospital na hora. Não adianta falar: "então, amanhã, a gente vai te mandar para o hospital par fazer exames, fazer um papa nicolau e colocar o anticonceptivo". Ela não vai. Se na hora ela estiver bem e aceitar, a gente tem que colocar. Aproveitar aquele momento. Não adianta marcar, pois elas não vão.
Recentemente, houve um caso polêmico, de uma moradora de rua em quem foi feita laqueadura por ordem judicial. Comparando com esse caso, não existe um conflito ético em colocar o implante nessas mulheres que, possivelmente, estariam intoxicadas. Elas podem dizer não?
Lógico que elas têm esse direito. Nós demoramos, mais ou menos, uns seis meses para começar a engrenar. Depois do primeiro ano, eu fui para a Cracolândia, fiquei um ano lá. Então, a gente começou a pegar pacientes que estavam no fluxo (como são chamados os locais com grandes concentrações de usuários). As pacientes eram abordadas e vinham voluntariamente. Muitas desitem. Muitas, mesmo.
Hoje em dia, você não atua mais diretamente na Cracolândia?
Não, porque o Cratodi tem um programa chamado Recomeço, que conta com agentes de saúde do estado, são agentes bem voltados para essa população. Então, eles vão, conversam, fazem um vínculo com essa população. Depois disso, oferecem tratamento, internado ou não internado, e abordam essa parte da contracepção.
Por que o implante?
Primeiro, porque existem trabalhos que mostram que os métodos que a gente chama de curta duração falham muito nessa população, como pílulas diárias, adesivos semanais, anel mensal, injetável mensal. Na teoria, a taxa de falha varia de 0,2% a 0,5%. Na taxa de falha real, esses índices chegam a 9%. Imagine para essa mulher ter que tomar a pílula sempre no mesmo horário ou tomar a injeção em determinado dia.
E o DIU?
Para que eu coloque o DIU, eu tenho que saber se ela não tem uma infecção pélvica. Se eu colocar o dispositivo durante essa infecção, posso prejudicá-la ainda mais.
Mas você faz exames antes de inserir o implante?
Sim. E, caso identifique alguma doença, ela é encaminhada para tratamento.
Aborto ilegal era uma questão problemática ali na Cracolândia?
A gente não observou especificamente isso, mas, muito provavelmente. Se ela tem uma gravidez não planejada, a possibilidade de ter um aborto inseguro é grande.
Vocês pensam em algum programa de contracepção para os homens?
O projeto ainda não planeja uma ação de contracepção com homens. O Hospital Pérola Byington é um centro de referência para a mulher.
Como a convivência com essa realidade toca você?
Muito. Eu aprendi muito com esse projeto, com essa população. De ver quando ela sai e falar: "Eu engordei 14 kg depois que saí da internação. Agora, estou trabalhando, morando com meus familiares novamente". Talvez o ápice seja o dia em que alguém que esteja bem e fale: "Agora, eu quero tirar o implante, porque eu quero programar uma gravidez com o meu parceiro da melhor forma possível".
Já teve um caso assim?
Por enquanto, não. Mas eu não tenho dúvidas de que, se a gente der tempo, haverá essa possibilidade.
E qual a meta do projeto?
A minha expectativa é que esse projeto possa se tornar um programa. O que a gente viu é que a prefeitura, hoje, está fazendo aquisição de implantes para atender essa população em outras regiões do município de São Paulo. Não só usuários de drogas, mas mulheres em situações de rua. A gente conseguiu ampliar para adolescentes. Hoje, são, mais o menos, 100 adolescentes usando o implante.
Qual a importância de o governo olhar para a prevenção de gravidez dessas mulheres?
É fundamental. O Gravius é um projeto que tem uma conotação de programa de governo. É custoso? Lógico que é custoso. Mas a gente sabe que os danos das populações vulneráveis com uma gravidez indesejada são muito grandes. Não só com a mulher usuária de droga ilícita, mas as adolescentes. Eu conheço mulheres com cinco, seis filhos, vivendo debaixo da ponte. E que ela está engravidando sempre e ninguém faz uma assistência. Acho que São Paulo já avançou um pouquinho. Nosso projeto tem sido ampliado. Tem que ser um modelo que possa ser tranquilamente replicado.
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