Topo

Mulheres fazem workshop para se livrar da "síndrome do impostor"

Tatiane Souza relata ter vivido "síndrome do impostor" - Arquivo pessoal
Tatiane Souza relata ter vivido "síndrome do impostor" Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

da Universa

01/08/2018 04h00

“Minha insegurança me persegue. Sempre acho que alguém é melhor que eu”, relata a analista de relacionamento Tatiane Souza, de 25 anos, a um grupo de 400 mulheres reunidas numa noite fria de julho, em São Paulo. Elas participavam de um workshop que tinha como objetivo fortalecer a autoconfiança de mulheres, especialmente nos assuntos relativos ao trabalho.

Muitas das mulheres que escutam Tatiane sinalizam que se identificam com o que a jovem relata. Os organizadores do encontro explicam em seguida, que aquele sentimento faz parte da chamada "síndrome do impostor". Bastante estudado por psicólogos, nesse tipo de comportamento, profissionais, muitas vezes competentes, não se sentem capazes de desempenhar seu trabalho com excelência e se consideram "uma fraude" - ainda que produzam mais e melhor que muitos ao seu redor.

A especialista em equidade de gênero do ambiente de trabalho Carine Roos, uma das organizadoras do encontro, diz que a incidência da "síndrome" é maior entre as mulheres, por causa de questões culturais: dentro das empresas, um homem, na maior parte dos casos, é quem está no comando. Apenas 13,6% dos cargos executivos das 500 maiores companhias brasileiras são ocupados pelo público feminino, segundo um estudo sobre perfil social, racial e de gênero do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Instituto Ethos, de 2016.

Veja também

A 'síndrome'

A primeira pesquisa sobre a "síndrome do impostor" data de 1978 e foi feita pela psicóloga americana Pauline Rose Clance. Ela utilizava o termo “fenômeno do impostor”. Na mesma época, a psicóloga Gail Matthews, da Universidade Dominicana da Califórnia, nos Estados Unidos, atestou que o fenômeno atingia 70% dos profissionais bem-sucedidos, principalmente, mulheres.

Para o psicólogo Fernando Elias José, mestre em Cognição Humana pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, o termo “síndrome” não deveria ser aplicado nessa situação por não se tratar de uma patologia, uma doença amplamente pesquisada, com um conjunto de fatores e sintomas descritos na CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), da Organização Mundial da Saúde. O termo, no entanto, já foi absorvido pelos consultórios psicológicos. Segundo José, os sentimentos que ele acarreta podem “levar à depressão, se não forem tratados”. Além de clinicar, há mais de uma década ele trabalha com preparação de candidatos a concursos e vestibulares.

“As pessoas passam nas provas e dizem que foi por sorte. Falam abertamente que são uma fraude. Ouço isso de juízes, promotores, pessoas de distintas idades. Elas não se apropriam do que é delas”, avalia o profissional.

Fernando Elias José observa ainda que a “síndrome” acomete de maneira igual ambos os gêneros, mas analisa que mulheres que vivenciam histórias de assédio e abuso no ambiente de trabalho têm a autoestima mais abalada.

O psicólogo Bruno Cesar Sousa, do Instituto Viver, em Salvador, focado em análise comportamental, diz que recebe quantidades consideráveis de pacientes relatando sensações de impotência no trabalho, apesar de ocuparem postos importantes. No que diz respeito à incidência nas mulheres, o psicólogo afirma que mesmo abusos sofridos no ambiente familiar podem desencadear o problema. “A armadilha acontece especialmente, se elas ouvem que não têm capacidade", diz Souza.

Há explicações para a falta de confiança

Tatiane começou a estagiar aos 20 anos como assistente de marketing numa associação comercial de São Paulo. Tatiane é negra e percebia que uma colega de trabalho, loira e alta, tinha privilégios. "Ela era chamada para as reuniões e eu, literalmente servia o café. Isso acabou comigo", relata a jovem, que saiu do local quatro meses depois.

Após três anos atuando em outra companhia, também de telemarketing, ela foi convidada a participar de um processo seletivo interno, para um cargo de liderança. Ouviu de colegas que não ia ter "psicológico" para o desafio. E acreditou.

"Falei para meu chefe que não queria o cargo porque sabia que não ia conseguir. Ele, no entanto, me aconselhou a procurar ajuda. Fiz terapia, coaching focado em desenvolvimento pessoal e cursos de liderança. Hoje, cinco anos depois, me sinto uma profissional preparada. Sou analista de relacionamento e trabalho numa empresa legal. Aprendi que se você não se posiciona, automaticamente, se coloca num papel de vítima", conta Tatiane.

A jovem compõe uma lista de 1,7 mil mulheres que já passaram pelo workshop de autoconfiança do ELAS, primeira Escola de Liderança Feminina e Desenvolvimento do país. Nele, são debatidas formas de “rackear o sistema”, conforme dizem as palestrantes, quando querem falar sobre mulheres que se impõem no ambiente de trabalho. No curso, as palestrantes dão dicas objetivas para tornar a vida de uma mulher melhor no ambiente profissional. Exemplo: virar para a colega do lado e cobri-la de elogios durante um minuto. A ouvinte deve retribuir com um “obrigada” e jamais argumentar que ela não os merece. 

“Metade dessas mais de mil mulheres se sente desconfortável ao ser elogiada”, afirma a co-fundadora do Elas junto com Carine, a administradora de empresas Amanda Gomes. Com mais de 20 anos de experiência no mundo corporativo, ela mesma duvidou que conseguiria alçar um cargo de executiva – hoje é CEO de uma empresa de treinamento e orientação profissional. Durante o workshop, ela conta, por exemplo, que um diretor da firma onde trabalhava a mandou calar a boca durante uma apresentação. 

“Tive crises de choro que duraram três dias. Me senti humilhada, com a sensação de que minha identidade tinha acabado”, lembra ela.

Um ano depois, já como superintendente, em uma outra empresa, foi convidada a assumir um posto mais alto, o de diretora comercial. E não se achou capaz:

“Perguntei a quem me fez o convite: ‘o que te faz pensar que sou a pessoa?’. E ela respondeu que confiava mais em mim do que eu mesma”.

Voz mais grave para se impor

Ivanise Maravalhas Gomes, de 46 anos, gerente da área de tecnologia em uma indústria multinacional, diz que vê todos os dias exemplos como o de Tatiane e Amanda. Ivanise conta que quando era jovem chegou a impostar a voz - hoje, sabe, de forma quase inconsciente - para adquirir respeito no ambiente de trabalho. 

A paulistana se formou em tecnologia da informação no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), escola predominantemente frequentada por homens. Ela era tratada, em suas palavras, como “bichinho de estimação” do grupo e, para não ser hostilizada, ria das piadas de cunho machista. “Tudo para não ser excluída do clube".

“Estudava canto lírico, e uma professora perguntou por que minha voz era tão grave se eu cantava na posição de soprano. Cheguei à conclusão que usava esse recurso para me impor. Tinha 25 anos e já era líder de equipe, chefiando um monte de homem. Na minha cabeça, voz de menininha não podia”, relata Ivanise. Ela conta que, tempos depois, “voltou ao normal” após ajuda de uma fonoaudióloga. 

“Não usava maquiagem nem roupa dita de 'mulherzinha' e meu cabelo era curto", conta ainda a gerente de tecnologia, que, hoje, livre dessas amarras, participa de palestras, inclusive do ELAS. Na empresa em que trabalha, participa de um projeto cujo objetivo é atrair talentos femininos e preparar as funcionárias para posições de liderança. Ela avalia que iniciativas como essas ajudam mulheres e enfrentar barreiras.