Janaína Paschoal: "Realizar o aborto é como fazer parte do tráfico"
Convidada a compor a mesa da tarde no segundo dia de audiência pública sobre a ADPF 442, a jurista Janaína Paschoal chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) logo pela manhã. Discreta, acompanhou todos os pronunciamentos sem manifestar satisfações ou a falta delas. O discurso da advogada é contrário à descriminalização do aborto no Brasil, e ela se diz bastante incomodada com a “histeria” da discussão – de ambos os lados. Uma das premissas para falar com a Universa era não abordarmos assuntos políticos na entrevista. A reportagem insistiu, mas ela disse que não responderia esse tipo de pergunta, conforme havia sido combinado.
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“Se a descriminalização acontecer, quem será beneficiado são os médicos e as clínicas – inclusive as clandestinas --, e, não, as mulheres. É como se pedíssemos para legalizar o tráfico de drogas só porque há pessoas que usam drogas. Quem realiza os abortos tem um papel similar ao do tráfico”, diz.
Advogada não acredita em dados
Segundo Janaína, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) está usando mulheres negras, indígenas e da periferia para falar em nome delas. “Eu não vejo essas mulheres clamando pela legalização do aborto. Inclusive, desconfio da veracidade dos números. Acredito que os dados sobre mulheres que morrem por aborto no Brasil estão inflacionados”, diz.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, a cada dois dias, uma brasileira pobre morre vítima do aborto inseguro. Mesmo confrontada com esse e outros dados de institutos internacionais, que mostram que o número de abortos caiu na maior parte dos países em que a prática foi legalizada, Janaína discorda: "Eu não confio nesses dados".
Crítica aos especialistas que realizam a interrupção da gravidez, Janaína os considera “exploradores da desgraça alheia” e defende que, eles, sim, sejam presos. “A mulher precisa responder pelo crime, mas a punição severa deve ser a quem faz com que ele seja possível.”
Mulheres criminosas, mas acolhidas
Janaína nunca fez aborto, mas não garante que jamais faria. “Hoje, acredito que não conseguiria tirar um filho”, afirma.
Apesar de defender que a prática continue sendo crime no Brasil, a jurista quer que as mulheres que fizeram aborto sejam acolhidas. “Elas se sentem sozinhas e merecem até um perdão jurídico”, diz.
Sua defesa, no entanto, mira o programa Entrega Legal. “Essas mulheres deveriam ser ovacionadas”, diz. “No programa, a mulher leva a gestação até o fim, dá à luz e entrega a criança”. Para a jurista, mesmo essa mulher sendo julgada e isolada pela sociedade, a criança estará viva e poderá ter oportunidade de ser feliz com outros pais. “Há tantos casais na fila de espera por um bebê. Essa mulher até pode ser julgada, mas eu vou respeitá-la e admirá-la”.
Educação sexual sem banalizar o sexo
Entre as soluções que a jurista propõe para evitar casos de aborto ilegal, está a educação sexual, “mas não essa que está sendo ensinada atualmente”, afirma, quando questionada sobre projetos conservadores que proíbem a educação sexual nas escolas. “Devemos retardar a sexualidade ao máximo. Onde já se viu falar sobre sexo com crianças de 11, 12 anos? Sexo entre crianças nessa faixa etária é estupro!”.
“Pode falar sobre o corpo, sobre menstruação, mas não falar sobre sexo propriamente dito. Para introduzir o tema ‘métodos de prevenção’, é preciso esperar os adolescentes crescerem, senão, eles vão achar que está liberado fazer”, diz. A jurista critica, ainda, a forma como o movimento feminista lida com o corpo. “Esperava que o feminismo ensinasse mulheres a valorizar os próprios corpos, o mesmo com os homens. Mas, não, é o contrário, virou esse ‘libera geral todo’”.
Abandono paterno
Quando o assunto é o papel dos homens, a advogada acredita que a descriminalização do aborto só incentivaria os “caras folgados”. “Hoje, pelo menos há um constrangimento ao abandonar a mulher e o filho. Além disso, o cara precisa pagar pensão. Se legalizar o aborto, os homens folgados vão pedir que as mulheres abortem o tempo todo. ‘Ah, você dormiu comigo, então se vira, vai abortar, é legalizado’.”
Ela se considera ponderada e ri ao dizer que foi chamada de abortista na internet.
“Meus amigos até me ligaram perguntando se eu havia mudado de lado. E isso só porque eu acho que deve haver um meio-termo na discussão, nem liberar tudo, nem criminalizar tudo”, conta. “É claro que também sou xingada por ‘não me importar com a vida das mulheres’. É o que acontece em uma discussão, com todo o respeito, histérica”.
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