"Hoje vou ficar solteira", disse Tatiane Spitzner na noite em que morreu
A promotora responsável pelo caso da morte da advogada paranaense Tatiane Spitzner, Dúnia Serpa Rampazzo, é categórica: "O marido dela a matou". Ontem, a 2ª Vara Criminal de Guarapuava, aceitou a denúncia do Ministério Público do Paraná (MPPR) contra o professor Luís Felipe Manvailer. Ele é réu por cárcere privado, fraude processual e homicídio qualificado por asfixia, impossibilidade de defesa da vítima, motivo fútil e feminicídio.
Procurado, o advogado que defende Manvailer, Adriano Bretas afirma: "A defesa nega a autoria do crime. Estamos aguardando os laudos e, até lá, qualquer conclusão é prematura". Leia a nota da defesa na íntegra no final desta entrevista.
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Além das agressões vistas nos vídeos que mostram Tatiane recebendo socos e chutes, e das informações dadas por parentes e amigos de que ela sofria vários tipos de violência (inclusive sexual), um novo indício, para a promotora, reforça a tese de que a advogada não se suicidou; e sim, que tentou escapar das agressões. “Uma testemunha contou que viu a Tatiane na varanda, olhando para baixo, como se estivesse tentando fugir”. Além disso, duas amigas contaram que, na noite da morte, a advogada falou para elas: “Hoje vou ficar solteira”.
Da parte do vídeo abaixo, em que Manvailer aparece no elevador, descendo para pegar o corpo da mulher no térreo, a promotora ainda analisa: “A mulher acabou de morrer e ele está calmo. Olha para as unhas e para os dedos, como se tivesse dado um soco em alguém."
É possível que Tatiane tenha se jogado?
Acho que não. Uma testemunha a viu na sacada olhando para baixo. Na minha opinião, Tatiane foi até lá, viu que não tinha como fugir por ali e voltou para o apartamento. Aí a briga parou e houve um silêncio total. No vídeo, quando desce para pegar o corpo, ele não demonstra desespero porque alguém que ele amava morreu. Ele olha para as unhas com calma. Abre e fecha os dedos, como se tivesse dado um soco em alguém. Não é comportamento de quem presencia um suicídio.
Há evidências de que o marido a agredia?
Sabemos, por meio de depoimentos, que ele cometia violência física, moral, psicológica, patrimonial e de cunho sexual. Todas as cinco hipóteses que constam do texto da Lei Maria da Penha. As duas primeiras aconteciam quando, por exemplo, ele a chamava de apelidos humilhantes, como “bosta albina”. Quando questionada pelas amigas sobre isso, ela dizia que era brincadeira e que estava acostumada.
Ele não a deixava comprar roupas. Uma amiga disse que Tatiane, quando as comprava, mentia para ele dizendo que tinha ganhado. Quanto à violência sexual, há um relato sobre o dia em que Luís Felipe apalpou a mulher na frente dos amigos, passando a mão em suas nádegas e nos seus seios. Ela reclamou para as amigas que tinha sido constrangedor. Além disso, achamos que ela já vinha sendo agredida fisicamente. No vídeo, Tatiane mostra uma postura passiva. Ela não reage, apenas tenta fugir. E normalmente, quando a mulher é agredida pela primeira vez, tenta se defender. A passividade pode ser por medo ou por saber da impossibilidade de reagir. É típico de quem já sofreu violência antes.
Depois que foram divulgados os vídeos em que Tatiane aparece apanhando por 15 minutos, todos se questionam por que os vizinhos não fizeram nada. Houve omissão?
Não acho. Quatro vizinhos ligaram para a polícia. Mas inicialmente o chamado foi por violência doméstica. A polícia pode não ter dado prioridade porque tinha casos mais urgentes. Quando recebeu o chamado dizendo que tinha um corpo no chão, foram imediatamente. O corpo caiu às 2h57 e a polícia chegou às 3h04.
E por parte de amigos e familiares?
A família relatou que nunca viu nada, que não sabia da violência que ela vivia. O pai disse que se tivesse conhecimento de episódios de agressão teria feito algo. Já os amigos e conhecidos relataram várias situações. Uma amiga disse que Tatiane sempre tinha manchas roxas nos braços. Ela falava que tinha se batido. Quando a violência envolve um relacionamento amoroso, e a mulher não quer denunciar, fica difícil para os amigos e família. Eles conversavam com ela sobre os xingamentos, perguntavam por que ela aguentava. E ela comentava que ia se separar. No dia que ela morreu, durante a festa que eles foram antes do crime, a Tatiane disse para duas amigas: “Vou ficar solteira hoje”. Ela falava em separação desde março, dizia que estava se preparando para o divórcio, mas ele não aceitava isso. E respondia com agressões.
O que mais impressionou a senhora no depoimento do marido?
A falta de sentimento. Ele disse que a amava muito, mas não há emoção na fala dele. Parece que pensou muito para escolher as palavras. No depoimento, ele a chama de “minha esposa”. Os amigos disseram que ele nunca se referiu a ela desse jeito.
Casos de mulheres jogadas de prédios têm sido recorrentes. O que esse método significa?
Considero uma conduta para simular um suicídio e tentar ocultar o crime. Aqui no Paraná, há outro caso parecido, o da fisiculturista Renata Muggiati, que morreu em 2015, aos 32 anos. Ela caiu de um prédio em Curitiba e o acusado, o marido e médico Raphael Suss Marques, alega suicídio. Houve falsa perícia, dizendo que ela havia morrido quando caiu. O corpo foi exumado e se concluiu o contrário, que ela morreu antes.
O que é possível ser feito para proteger mulheres vítimas de violência doméstica?
Tem que haver campanhas de prevenção para conscientizar as mulheres de que não é normal receber agressão verbal ou psicológicas. Essas agressões evoluem até chegar ao feminicídio. A Lei Maria da Penha estabelece algumas medidas: quando há pelo menos uma ameaça, já pode fazer boletim de ocorrência. Com isso, a vítima está se resguardando de alguma forma. Além disso, uma denúncia registrada é uma prova contra o acusado caso ocorra um feminicídio. Acredito que as imagens da Tatiane sendo agredida podem servir de marco para campanhas. Casos como esse são constantes. São 12 a 13 mortes de mulheres por violência doméstica no Brasil por dia.
Por que você acha que Tatiane não denunciou o marido antes?
Ela era advogada, tinha pleno conhecimento da lei. Acho que não denunciou por vergonha. Muitos relatos de conhecidos diziam que ela se importava muito com a imagem que os outros tinham da vida dela. Nas redes sociais, eles tinham uma vida maravilhosa, então, ela queria aparentar uma relação bonita para ter aprovação social. Isso acontece com muitas mulheres principalmente de classes mais altas. As vítimas têm vergonha do julgamento social. Acho também que a Tatiane nunca imaginou que fosse morrer.
Se condenado, que pena Luís Felipe pode pegar?
Tecnicamente, não tem como dizer quanto vai ficar a pena porque depende da análise do juiz. Para o homicídio qualificado, a pena é prisão de 12 a 30 anos. Para cárcere privado, de dois a cinco anos. E para fraude processual, de seis meses a quatro anos.
Veja a nota dos advogados de defesa, Adriano Bretas e Caio Fortes de Matheus, na íntegra
Sobre o recebimento da denúncia por parte da justiça no processo apuratório da morte de Tatiane Spitzner, a defesa técnica de Luis Felipe Manvailer informa que permanece no aguardo do resultado de exames periciais no corpo da vítima, no apartamento do casal, nas câmeras de segurança, nos smartphones, computadores e HDs apreendidos e na realização de reprodução simulada dos fatos com a participação do acusado. Nesse momento é importante reafirmar que qualquer posicionamento sobre o caso, seja dos delegados, promotores, advogados de acusação ou de outro profissional que tenha participado do todo ou de parte deste apuratório (que sequer se encontra efetivamente concluído, já que pendentes importantes diligências) estará tratando de hipóteses especulativas, baseadas em fragmentos, que destoam de comprovação técnica científica.
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