Gordas nas novelas: as personagens atuais fogem do estereótipo do sobrepeso
Por muito tempo, os personagens gordos de filmes, novelas e seriados estiveram sempre amarrados à questão do peso no enredo - principalmente as mulheres. Moças que eram vítimas de gordofobia, que se apaixonavam por homens que preferiam ficar com magrinhas, ou que emagreciam no final da trama e aí, sim, podiam ser felizes.
Atriz desde os nove anos, Mariana Xavier já interpretou personagens que vão de um extremo a outro. Ela viveu Marcelina, filha de Dona Hermínia, protagonista do filme “Minha Mãe é Uma Peça”, de 2013, que era motivo de chacota até da própria mãe por ser gorda. Já durante a novela “A Força do Querer”, de 2017, ela interpretou Abigail, a Biga, uma it girl gorda e bem resolvida com seu corpo.
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“A Biga, pra mim, foi uma grande vitória, porque ela era uma mulher real, que tinha a vida dela, tomava o chopp dela e tinha outras questões”, contou a atriz. “Na vida real as pessoas são assim, então as obras têm de trazer a complexidade do ser humano para os personagens. O gordo é sempre o alivio cômico e não tem de ser.” Recentemente Mariana viveu para o cinema a Marilu, personagem hiperssexualizada no filme "Gostosas, Lindas & Sexies". “Também não é positivo, porque não é real.”
A sinopse de “A Força do Querer” já dizia que a Biga seria modelo plus size, mas o autor acabou deixando essa menção para os capítulos finais da novela. Mariana diz que recebeu muitas mensagens de fãs que queriam ter assistido mais cenas da personagem como modelo. “Eu não fazia a menor questão, não fiquei nem um pouco frustrada com isso. A gente precisa parar de alimentar essa ideia de que para ser bem-sucedida, você precisa de um selo de aprovação que o mundo te acha bonita e só aí pode ser feliz. Eu quero que cada vez mais nós tenhamos personagens gordas que sejam professoras, advogadas, motoristas, porque na vida real é isso que a gente vê. O ideal é que não se escalem atrizes gordas só para falar desse assunto”, disse a atriz, que confessou ter retardado sua tentativa de entrar na televisão por não se achar “adequada”, depois de ter ouvido isso de algumas pessoas, inclusive agenciadores.
Ativistas antigordofobia
Para os ativistas antigordofobia Felipe Mariano e Jessica Chamma, a personagem não era tão despida dessa questão. “Além de ela ter virado modelo plus size no fim da novela, outros personagens comentavam que ela se amava mesmo sendo gorda”, lembrou Jéssica.
“Eu acho aumentou um pouco a representatividade, tenho notado uma busca maior por isso, mas ainda sinto que o assunto principal dessas personagens é o sobrepeso. Só me darei por satisfeito quando eu vir um gordo num papel principal e que tenha um trabalho, uma história, e em que nenhum momento da trama o peso seja colocado”, cravou Mariano.
Arquitetos de formação, estavam descontentes e viram na fotografia, que até então era um hobby, uma oportunidade de trabalharem com o que mais gostavam. “Eu comecei a olhar fotos de retratistas que eu gostava e notei que eles sempre fotografavam o mesmo tipo de mulher. Não me senti representada, e pensei: será que esse cara conseguiria me fotografar com a mesma beleza?”
Assim, decidiram fazer ensaios de amigas e o experimento virou um projeto que eles tocam voluntariamente, o “Cada Uma”. As inscrições ficam abertas permanentemente para mulheres cis ou trans e, uma vez por ano, eles selecionam mulheres para serem fotografadas e posteriormente, receber as cerca de 15 fotos que eles disponibilizam gratuitamente.
Representatividade muda o pensamento social
Para a blogueira plus size e primeira mulher fora dos padrões estéticos a posar para a Playboy, Juliana Romano, a representatividade na televisão é um caminho para diminuir a gordofobia, apesar de não ser imediato. “É uma questão social muito maior, que envolve instâncias e medidas públicas. Mas a representatividade pode mudar o pensamento social ao redor do tema e com isso fazer com que tenham reformas e leis que aí, sim, podem diminuir a gordofobia.”
Influencer conhecida na área, Juliana disse que a falta de personagens com quem se identificasse na infância, influenciou, sim, na sua autoestima. “Como mulher gorda eu nunca me vejo representada de forma bem-sucedida. Essa falta de representatividade me fez inúmeras vezes questionar meu potencial e a minha capacidade desde o mercado de trabalho até relacionamentos afetivos. Não dá para afirmar com certeza, mas imagino que se, desde criança, eu tivesse exemplos de mulheres mais parecidas comigo talvez me sentisse mais integrada socialmente, mais aceita no mercado de trabalho, por exemplo, mais capaz de me relacionar. Mas não só isso! Mulheres gordas na televisão, na rua, na vida, fazem com que os olhos das outras pessoas também se acostumem, então além de tudo acho que sofreria menos olhares e palavras agressivas”, concluiu
Sem estereótipo
Rafaela Ferreira, a Nanci, de “Aventuras de Poliana”, do SBT, disse que se considera privilegiada por nunca ter interpretado papéis com grandes questões com o corpo. Atualmente, ela vive a empregada da casa da protagonista e tem questões normais. “A Nanci até pensa em fazer dieta, tem medo de perder o namorado, mas ela é realizada assim.” Com frases como “Não é farol vermelho, mas é de parar o transito! ”, o namorado da empregada vive dando indícios de que não tem o que reclamar sobre o corpo de Nanci.
“Eu sinto que há muita potência na direção de naturalizar [a presença do gordo], mas a gordofobia faz parte da nossa sociedade, principalmente com esse discurso de saúde que ainda é muito reforçado”, disse Rafaela.
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