Sucesso, recebidos de crianças no YouTube geram ações na justiça
O vídeo começa com um passeio de carro. Uma garota, então com oito anos de idade, fala para a câmera que está indo em direção a um encontro com outras “amiguinhas”. Ela promete a quem assiste um dia “muito legal”. E celebra. “Vamos lá que eu tô animada!”.
Nos próximos 13 minutos, a youtuber mirim mostra a visita ao espaço temático de uma boneca que é sucesso entre as meninas, “Monster High”, na companhia de outras youtubers. O vídeo tem de 1 milhão de visualizações no YouTube e é somente um exemplo. Há dezenas de publicações que têm causado disputas na Justiça, sob acusação publicidade infantil.
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Desde 2016, grupos de defesa aos direitos da criança tem organizado denúncias contra marcas que veiculam produtos e eventos por meio de canais infantis na internet. Apesar disso, ainda há dificuldade para detectar e denunciar veiculações do tipo.
Na lista estão ao menos 15 empresas, entre fabricantes de brinquedos a material escolar, que segundo ONGs e procuradores apostam no método dos “produtos recebidos” para bombar entre as crianças em vídeos na internet. Os processos ainda tramitam no Ministério Público.
O assunto vem à tona após decisões da Justiça, que em julho manteve multas acima de R$ 500 mil a emissoras de televisão e marcas acusadas de publicidade infantil.
Como é na internet
“Na internet, acontece uma proliferação maior de conteúdo do que na televisão”, diz Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora da ONG Criança e Consumo, especializada no tema.
Como canais trabalham com orçamentos mais robustos e são em menor quantidade, a detecção de publicidade infantil é mais fácil na TV do que na internet.
Além da propagação mais barata, a especialista diz haver uma “proliferação de estratégias”. Um deles é o “unboxing”, sucesso entre o público infantil que consiste em mostrar o youtuber desembrulhar um presente recém-chegado (brinquedos, doces, sanduíches, lápis para colorir, jogos de tabuleiro etc.).
Outro sucesso são os passeios e idas a eventos voltados para crianças, como parques temáticos. Há casos em que até mesmo youtubers simulam ter recebido convites de marcas para ida a eventos, em busca de certo prestígio entre os seguidores. Em junho, uma marca de refrigerantes afirmou nunca ter convidado uma youtuber mirim para uma viagem aos Estados Unidos. Na descrição do vídeo, ela diz ter sido convidada a passear na fábrica do refrigerante na cidade Atlanta, no estado de Georgia.
Mas, o que é considerado publicidade infantil?
Para especialistas da área, a publicidade infantil é aquela feita e direcionada para a criança. Isso inclui:
- Publicidade com personagens e celebridades conhecidos do público infantil;
- Presença de uma criança como protagonista, ou de duas crianças interagindo entre si;
- Animações e desenhos infantis;
- Linguagem infantilizada.
Existe uma diferença entre produtos para crianças e publicidade infantil.
Os exemplos permitidos são comerciais de fraldas, pomadas e talcos, que miram pais e familiares e que não fazem uso de linguagem infantilizada.
E, afinal, quais os efeitos para a criança?
“A criança interpreta uma mensagem publicitária dentro de suas capacidades: ela pode começar a se sentir excluída, de que precisa de certo produto para ser feliz e parte do grupo que ela vive”, explica Ekaterine.
Além disso, teóricos da pedagogia e do direito defendem que, além dos possíveis prejuízos psicológicos, a criança também é exposta a um olhar consumista do mundo.
Na prática, o argumento é que isso pode acarretar em obesidade infantil (no caso de lanches acompanhados por brinquedos) e degradação ambiental, com aumento de consumo e produção de resíduos que serão lançados natureza. O efeito mais visto é baixa autoestima em caso de produtos não conquistados por que os pais não podem dar o que está sendo pedido, dizem os especialistas.
Do outro lado, analistas de mercado dizem que a publicidade infantil deve ser feita com responsabilidade, especialmente para a educação, em vez de ser proibida.
O que diz a lei?
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a publicidade é considerada abusiva quando se aproveita da “deficiência de julgamento e experiência” da criança, previsto no artigo 36. O direcionamento vale para a internet, televisão, outdoor etc. O texto é usado em processos que correm no Ministério Público e por institutos de defesa de criança e do adolescente.
Desde 2014, o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (Conanda) também considerou como abusiva e ilegal a publicidade direcionada às crianças. A resolução do órgão é uma recomendação, sem força de lei.
As marcas podem ser alertadas antes de uma denúncia formal. Órgãos como Ministério Público e o Procon também formalizam denúncias.
O outro lado
Dona do YouTube, o Google afirma em nota que a plataforma, onde circula maior parte deste tipo de conteúdo, é aberta e feita para adultos. “Seu uso por crianças deve sempre ser feito num contexto familiar e em companhia de um adulto responsável”, explica. Assinantes também devem seguir a legislação do país de origem.
A Mattel, responsável pela marca “Monster High”, não respondeu aos questionamentos da reportagem. A reportagem será atualizada se a resposta for enviada.
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