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Nazismo na Unicamp: alunos negros relatam ameaças e "clima de insegurança"

Manifestação de estudantes após caso de pichações racistas na Unicamp - Everaldo Luís Silva
Manifestação de estudantes após caso de pichações racistas na Unicamp Imagem: Everaldo Luís Silva

Camila Brandalise

Da Universa

13/09/2018 04h00

Um papel branco, com uma suástica desenhada, foi deslizado porta abaixo na casa da moradia estudantil em que a maioria dos moradores é negra. O caso parece um episódio de "Dear White People", série da Netflix que retrata os problemas vividos por um grupo de negros em uma faculdade americana, mas aconteceu de verdade na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no dia 27 de agosto. No dia 14 do mesmo mês, uma pichação escrita “poder branco” foi feita em uma parede da biblioteca da universidade. No ano passado, um boneco da Ku Klux Klan, movimento americano que prega a supremacia branca, foi colado em um mural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Desde 2015, quando foi criada a frente pró cotas étnico-raciais na universidade, considerada a melhor da América Latina pelo ranking britânico Times Higher Education, alunos vivem episódios recorrentes de racismo, nazismo e apologia à violência, como os relatados acima. Agora, prestes a ser realizado o primeiro vestibular com vagas para cotistas, que entrarão em 2019, esses episódios se intensificaram.

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Apenas o caso da pichação de meados de agosto foi apurado. A instituição identificou o autor, um ex-aluno de 30 anos, egresso de três cursos: estatística, matemática aplicada e computacional e engenharia da computação. Ele não chegou a se formar em nenhum. O suspeito pichou outras frases com ameaças e símbolos nazistas, como uma suástica e uma menção ao massacre de Columbine, de 1999, em que dois alunos assassinaram 13 jovens em uma escola americana e se mataram na sequência. “Chacina”, dizia um dos escritos na biblioteca da Unicamp. O processo está em andamento - no momento, a investigação está concluída, mas a polícia aguarda um laudo que comprove que a caligrafia é realmente do suspeito para encaminhar à Justiça. Enquanto isso, o ex-aluno aguarda em liberdade.

Ofensiva antinazismo

Após o episódio, integrantes do Núcleo de Consciência Negra solicitaram uma reunião com o reitor da universidade, Marcelo Knobel, que foi realizada na quinta-feira passada, dia 6. A instituição anunciou a criação de um grupo de trabalho de combate ao racismo, a pedido do núcleo, e ressaltou o plano de criar a Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade - prevista desde a aprovação das cotas.

Para integrantes do movimento negro, a instituição tem demorado para tomar providências. “As situações de racismo já acontecem há algum tempo e considero a reitoria omissa. Denunciávamos, mas nada era feito”, afirma Taina Aparecida Silva Santos, 24 anos, aluna do curso de história e integrante do Núcleo de Consciência Negra.

Agora, na iminência da entrada de cotistas, a preocupação é redobrada. “Se a universidade não dá resposta agora, imagina no ano que vem, quando houver mais negros aqui?”, afirma a doutoranda em demografia Milena de Oliveira Santos, 25 anos, também integrante do núcleo. “Nós vivemos com uma constante sensação de insegurança dentro da universidade.”

O reitor da universidade, Marcelo Knobel, afirmou que a instituição não tolera qualquer tipo de atitude racista. “O racismo existe na Unicamp, como em toda a sociedade. Mas é crime e não podemos aceitá-lo, assim como apologia à violência.” O grupo, durante a reunião, solicitou que o boletim de ocorrência das pichações, que foi registrado apenas como vandalismo, incluísse racismo na denúncia. Knobel assegurou que já pediu a possibilidade de retificar o B.O.