Professora Lisete: Alunas minhas já abortaram para conseguir concluir curso
Única candidata mulher ao governo de São Paulo, e a mais velha dos postulantes, a pedagoga Lisete Arelaro (PSOL), de 72 anos, informa: "Sou uma mulher de idade, porém, com ideias mais jovens que as dos outros candidatos". Ex-diretora da Faculdade de Educação da USP, atualmente professora da pasta, e integrante da Secretaria de Educação da prefeitura de Luiza Erundina, ela classifica como "terrorismo pedagógico" a ideia de proibir discussões de identidade sexual e de gênero nas escolas.
Nesta entrevista, Lisete conta por que é a favor da legalização das drogas, que sai para tomar uma cervejinha com os estudantes e que alunas suas escolheram fazer um aborto para conseguir terminar o curso.
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Nunca uma mulher, e de esquerda, chegou ao Palácio do Governo de São Paulo. Como convencer os paulistanos que essa novidade é positiva?
É um momento de amadurecimento. Quando a Marta Suplicy e a Luiza Erundina foram prefeitas, pelo PT, nem o partido acreditava nelas, em especial na Luiza, porque ela representava tudo aquilo que o paulistano tem de preconceito contra: veio do Nordeste, é solteira, assistente social e gosta de pobre. Os partidos ainda acham que um homem tem mais chance de dar certo que uma mulher. Mas já que em todos esses anos eles não deram certo, vamos apostar numa mulher.
Marta Suplicy anunciou que vai deixar a vida política porque, segundo ela, os partidos "estão acuados, sem norte" e encenam uma "onda de conservadorismo gigante". A senhora concorda?
Diria que a Marta sai da política por vergonha de suas últimas opções. Como mulher, não posso me conformar por ela ter votado a favor da reforma trabalhista, que prevê, entre outras coisas, que mulher grávida ou amamentando possa trabalhar em locais insalubres. A onda de conservadorismo à qual a Marta se refere, para mim, é um motivo a mais para continuarmos na política. Estou aqui, exatamente para combater essa onda. Acho que ela traiu seus princípios e não se sente bem, nessa nova condição, de seguir na vida política. Não vou sentir saudade.
Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que São Paulo registrou aumento de 13% nos casos de estupro de janeiro a julho deste ano, comparando com o mesmo período do ano passado. Qual é a sua proposta para o combate à violência contra a mulher?
Em São Paulo, a Polícia Militar atua, sobretudo, para conter movimentos sociais. Se ela estivesse fazendo ronda para proteger, e se tivesse orientação, não teríamos esse nível de estupro. No metrô, parece que o agente está lá para não deixar a mulher usar o banheiro. Se eu vencer, a PM vai estar na rua, fazendo ronda. Vou abrir mais delegacias para a mulher com atendimento 24 horas e reabrir, porque está fechado, o Centro de Acolhida para Mulheres em Situação de Violência.
A USP recebe constantes acusações de estupro em festas organizadas por alunos e em trotes. Como a senhora pensa em acabar com esse crime?
Aumentando a Guarda Universitária. Não precisa ter a Polícia Militar lá dentro, porque eles estão a cem metros do campus. Faço parte da "Rede Não Cala", uma organização de professores, que tenta evitar casos de abusos. Nela, nós fazemos uma autocrítica porque nenhum caso de estupro relatado pelas alunas chegou ao processo final, seja dentro da faculdade ou na polícia. Um caso famoso foi o de um aluno da medicina, que foi acusado de estupro por mais de três mulheres, e que conseguiu ser diplomado (ele não participou da festa de formatura mas recebeu o diploma). Parece que aluno de medicina pode fazer o que quiser. É por causa de fatos como esse que as discussões de gênero têm que ir também para dentro das universidades. Lá, as condições não são iguais para todos.
A senhora é a favor de que a mulher possa abortar, se assim o quiser?
Não apoiamos o aborto, mas a descriminalização dele. Defendemos a vida das mulheres, em especial, as pobres, da periferia. Tem que parar com cinismo. Só não faz aborto quem não tem dinheiro para pagar. Chame quatro mulheres de 40 anos. Uma fez um ou dois abortos, segundo a "Pesquisa Nacional do Aborto", da Universidade de Brasília. Esse é outro assunto que não discutimos na escola, nem na universidade. Deveria fazer parte de educação de homens e mulheres, mas é tabu.
A senhora já fez aborto?
Não. Tive um aborto natural. Mas tenho alunas que fizeram porque não conseguiriam terminar o curso se tivessem que cuidar do filho. Universidades não estão organizadas para essa situação com estudante jovem.
As propostas do PSOL, para muitos eleitores, se parecem muito com as do PT. Eles estão certos?
Não. O PSOL é socialista, o PT nunca foi. O PSOL é a favor de taxar os que ganham mais, como os banqueiros. Já a política do PT é a favor dos bancos. O PT defende as parcerias público-privadas, e o PSOL tem muitas restrições a essa política; por exemplo, não concordamos que empresas particulares tomem conta de hospitais públicos.
A senhora, que é professora, afirma apoiar mais debates sobre sexo e gênero nas escolas, proposta que causa discórdia e até violência com grupos que rejeitam esses assuntos. Como avançar nesta questão?
O que estão fazendo no Brasil é um terrorismo pedagógico. Em várias escolas temos professores, se não sendo processados, demitidos porque discutiram gênero. É uma manifestação de machismo explícito. É necessário que se discuta isso nas escolas, principalmente porque a grande violência contra meninas e meninos acontece dentro de casa, e é nas escolas que elas devem poder denunciar.
A senhora é a mais velha entre todos os candidatos. Esse fato pode, de alguma forma, atrair eleitores?
Sou uma mulher de idade, porém, com ideias mais jovens que as dos outros candidatos. Depois das aulas saio com meus alunos para tomar uma cervejinha. Com eles, a conversa é outra. Tenho total apoio da juventude. Faço 50 anos de magistério. Estou na fase de curtir netinho e fazer Tai Chi Chuan, mas dar aula para a juventude me obriga a me atualizar.
A senhora acredita que a legalização das drogas reduziria os índices de violência?
Com certeza. Para mim, as escolas vêm se tornando importantes pontos de venda de droga. Os traficantes arregimentam muitas crianças e os adolescentes ali. Então, se legalizarmos, esses pontos acabam e os jovens deixariam, em grande parte, de se envolver com o tráfico. Além disso, se a droga for legalizada, os usuários terão um lugar específico e seguro para comprar; o que também ajudaria a acabar com a violência que envolve o tráfico. Quem vai ficar bravo é o PCC, porque vai perder o lucro.
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