"Minha filha foi assassinada e ainda passei 17 dias negociando o resgate"
Há oito anos, a aposentada Lúcia de Fátima Barreto, 62 anos, toma calmantes, faz terapia e frequenta o “Grupo fraterno, nossos filhos, nossos irmãos”, destinado para pais que perderam seus filhos – vítimas de assassinatos, feminicídio, atropelamento, problemas de saúde – as causas das mortes são diversas.
“Essa conversa de que com o tempo passa, ameniza, é uma mentira. Tem dia que estamos bem e no outro caímos. Inclusive, aprendemos (no grupo) a perdoar as pessoas que dizem isso. A gente segue em frente porque sabemos que nossos filhos não gostariam de nos ver assim”, afirma Lucia à Universa.
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Mãe de duas filhas, a caçula da aposentada foi sequestrada dentro do estacionamento de um shopping popular de São Paulo em novembro de 2010, após sair da academia. O assassino matou a assessora de imprensa Luciana Barreto Montanhana, que tinha 29 anos, logo depois de sequestrá-la. Ainda assim, ele ligou para família e pediu R$ 500 mil de resgate. A partir daí foram 17 dias de negociações pela jovem, que na verdade já estava morta, mas ninguém sabia.
“A gente não tinha esse dinheiro, mas íamos dar um jeito porque tínhamos esperança que minha filha estivesse viva. A polícia monitorou todas as ligações, ficou em frente à minha casa todos os dias, os piores”, relembra Lúcia, aos prantos -- assim seguiu durante todo o depoimento.
Na época, a polícia conseguiu prender o assassino, um ex-segurança e ex-cabo do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar, que escolheu aleatoriamente sua vítima por conta do carro que ela tinha, e ele confessou que tinha matado e jogado o corpo de Luciana na Rodovia Anchieta. Desde então, a família de Lúcia optou por sobreviver e assim mãe, pai, irmã, sobrinhos e o ex-noivo têm feito, como ela conta:
“Depois que a morte foi confirmada e encontramos o corpo, minha vida parou de fazer sentido. Sentia vontade de morrer e achava que nunca mais seria feliz. Depois de quatro meses da morte, soube por uma colega da minha filha mais velha sobre um grupo de mães que perderam seus filhos em um acidente de carro. Lá me senti acolhida. Além dos encontros que acontecem duas vezes por semana, nos falamos por telefone, as pessoas perguntam se você precisa de uma visita.
Abrimos nossas histórias, choramos, nos apoiamos, fazemos eventos juntos, produzimos roupas para mães carentes... Entendemos que precisamos ser o melhor que podemos.
Também busquei ajuda psiquiátrica, faço terapia e me apeguei no espiritismo para encontrar as respostas que ninguém me dava. Entendi que vou encontrá-la, mas antes preciso estar bem. Cresci muito espiritualmente, mas às vezes paro e falo com a Lu [a filha morta]: ‘Tive que passar por isso, pagar esse preço para crescer espiritualmente?’ A sensação é de impotência.
Todo dia um recomeço
Durante esse período, entendi que o luto tem fases. E é importante passar por elas e escolher o que você quer fazer - seguir ou ficar em uma cama? Optei por ver meus netos crescerem, ser uma avó boa, uma mãe melhor ainda para minha outra filha e viver bem com meu marido. Hoje, se minha filha pede: ‘você pode pegar o fulano na escola?’ Digo: ‘sim.’ Faço tudo que posso por eles, vivo realmente como se fosse o último dia. Muitas situações que antes me afetavam ficaram para trás. Você aprende a viver novamente, mas no início acha que não tem direito mais de sentir prazer por nada. Seja por um momento ou um prato de comida.
Mas, claro, têm lugares que não consigo passar, pessoas que não posso ver, não porque me fizeram mal, mas porque me fazem lembrar dela e isso me faz muito mal. Às vezes nos afastamos (pais que perderam seus filhos), mas não é por maldade. Meu ex-genro casou novamente, tiveram um filho e ele vivia pedindo para visitá-los, mas não conseguia. Por que minha filha morou naquela casa... Tem dia que você está bem e cai uma lágrima. Mas é importante seguir em frente.”
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