"Falar que criança inventa abuso é lenda urbana", diz promotor de Justiça
O promotor de Justiça Pedro Alonso, que trabalha no Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs), do MP-SP, já chegou a receber, em um só dia, dez menores vítimas de estupro para deporem em casos diferentes. Em agosto de 2018, circularam por lá 1.150 casos, dos quais cerca de 900 envolviam crimes sexuais contra crianças (nos outros, as vítimas eram idosos e pessoas com deficiência). “Infelizmente, são muito comuns”, diz.
Alonso lamenta, principalmente, o fato de muitos pais ou responsáveis não darem o devido valor à palavra da criança. “É quase uma lenda urbana dizer que o menor inventa abuso”, afirma. A promotora Mariana Viana concorda, e afirma que não faz parte do padrão de comportamento da criança mentir ou inventar histórias para entrar em um problema. Normalmente, ela inventa para sair, explica. “E isso quem diz é o setor técnico da nossa equipe: assistentes sociais e psicólogos”, afirma Viana.
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Diariamente, passam pelo Sanctvs casos chocantes, como o do treinador de um time de futebol que abusou de quatro crianças, entre 8 e 11 anos, no ano passado. Foi condenado a 61 anos de prisão.
Em 2018, um abuso sexual contra criança a cada meia hora
Segundo os dados mais recentes do Disque 100, canal do governo federal que recebe denúncias de crimes contra direitos humanos, no primeiro semestre de 2018 foram registrados 7.885 casos de abuso sexual contra menores. O cálculo é de que aconteçam 43 casos por dia, quase um a cada 30 minutos.
Segundo a administradora executiva da Fundação Abrinq, Heloisa Oliveira, a estimativa é de que as denúncias representem 10% de todos os casos, assim como em denúncias de estupro de maiores de 18 anos.
Oliveira destaca que, entre menores, cerca de 70% das vítimas sejam mulheres. E ela concorda que a criança, no geral, não inventa. “Quando ela desmente uma acusação que ela mesmo fez, costuma ser por medo, intimidação ou após ameaça”, afirma.
Oliveira ainda destaca outros mitos envolvendo abuso sexual de menores. A maioria dos casos, por exemplo, são disfarçados de carinho e amor. “Não há marcas físicas”, ressalta. Dizer que a criança não vai se lembrar da violência também é um equívoco: ela vai se recordar de tudo e sofrer os efeitos da situação abusiva, normalmente um transtorno psíquico. Outro mito é pensar que a pessoa que abusa é um desconhecido. “Quase sempre é membro da família ou pessoa próxima.”
"Fui estuprada aos cinco pelo pai de um amigo"
As constantes ameaças que abusadores fazem às vítimas é um dos maiores obstáculos para que crianças denunciem: com medo, elas não contam nem para familiares. Foi o caso de Bruna*, 19 anos, que sofreu o primeiro abuso aos 5 anos.
“Tinha um amigo na rua que morava. Um dia, fui brincar na casa dele, o pai dele me puxou para um quarto e me estuprou”, diz. Sem entender o que estava acontecendo e com medo de contar para alguém, pois era ameaçada, a jovem continuou sendo abusada pelo homem.
Se deu conta de que havia sido estuprada somente aos 14 anos, quando procurou uma psicóloga a pedido de uma professora, para quem enviou uma carta dizendo o que tinha acontecido e como se sentia. “Não consegui, até hoje, contar o que aconteceu para a minha família, por vergonha.”
Aos 18, Bruna foi diagnosticada com depressão, mudou de psicóloga e começou outro tratamento. “Sinto, até hoje, que a culpa é minha, mesmo sabendo que foi ele que abusou de mim”, desabafa.
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