Eleitas, amigas de Marielle dizem que medo de serem mortas não vai pará-las
Quatro mulheres negras do Rio de Janeiro estarão na Câmara dos Deputados em 2019, justamente no ano que o crescimento feminino subiu para 50% (77, ao todo). Elas são amigas diretas da vereadora Marielle Franco (PSOL) assassinada em março. O executor ainda não foi identificado.
Talíria Petrone (uma das mais próximas de “Mari”, como se refere à amiga) foi eleita deputada federal com 107.317 votos; moradora do morro do Borel e com campanha bancada por arrecadações, Mônica Francisco recebeu 40.631 e ocupará o cargo de deputada estadual. Da Maré, Renata Souza (63.937) e Dani Monteiro (30.000) também foram eleitas como deputadas estaduais --todas pelo estado do Rio de Janeiro.
“Acordei preocupada. Por um lado, uma vitória, mas por outro, um grande avanço do fascismo", diz Talíria à Universa, em referência ao candidato do PSL Jair Bolsonaro. "É uma contradição de sentimentos. Tem apreensão, mas uma certeza que será pelo protagonismo feminino que enfrentaremos esse quadro”, completa.
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A deputada dormiu apenas algumas horas na noite de domingo para segunda-feira, mas, a partir desta terça (9), estará em campanha pela eleição de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila (chapa do PT) para a presidência. “Não considero o melhor projeto para o país. Mas o mais importante, agora, é garantir a democracia. De poder existir, ser, lutar, amar e isso não será possível com Bolsonaro [PSL] presidente”, completa a política, que vê com otimismo a força feminina.
Não dá mais para fazer política sem as mulheres
"Somos sempre nós que ficamos pelo caminho toda vez que tem um retrocesso democrático. É importante que tenhamos uma ampliação de mulheres na política, que sejam combativas, negras, encabecem a luta popular contra a barbárie. O PSOL (RJ) ter eleito quatro mulheres negras em sua bancada é um fato histórico. Além da Sâmia Bonfim, da Erica Malunguinho, uma mulher negra trans, em São Paulo. Estamos fazendo história, embora sejam tempos difíceis, não podemos negar. A luta contra o fascismo será protagonizada por mulheres”, afirma a professora de história.
Há 30 anos militante dos direitos civis, mãe de um casal, com o marido desempregado, Mônica não tem dúvida que os desafios serão diversos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), mas está "felizona".
Sou a primeira mulher do Borel a ser candidata. A primeira deputada da Favela do Borel.
“O primeiro é a própria instituição, majoritariamente masculina e branca, que tem resistência com corpos negros femininos em lugar de autoridade. Ou seja, o racismo institucional, que está presente em todas as instituições brasileiras, não só nas esferas políticas. Mas isso começou a mudar. Uma resposta do quanto é necessária a presença de mulheres e mulheres negras nesses espaços, justamente para implementar medidas que venham de uma experiência de uma vida concreta”, diz a parlamentar que assume em janeiro.
Sua campanha "foi um desespero, sem recurso, praticamente nenhum" como define. Foi feita com apoio do Fundo Partidário e conseguiu arrecadar R$ 40.000 de vaquinha online. "O apoio, mesmo, veio dos amigos. Uma pagou o Uber para eu conseguir me locomover. Foi tudo muito coletivo", cita.
As parlamentares estão cientes sobre a responsabilidade de manterem viva a luta delas –e também de Marielle–, com programas em prol das mulheres, principalmente negras, da comunidade LGBT e periférica.
Deborah De Mari, fundadora do projeto Força Meninas, vê com entusiasmo a chegada de mulheres ao poder.
“Esse aumento é muito importante no momento delicado que vivemos. A importância de terem vozes e se enxergarem nessas vozes é um fenômeno novo olhando para história do Brasil. Dá esperança para um futuro mais igualitário. Todo esse resultado é fruto de um trabalho de conscientização que vem sendo feito nos últimos três anos. Quanto mais cedo começarmos essa conversa, mais efetiva ela será”, afirma ela, que, no próximo dia 20, promove o evento "Mude o Mundo como uma Menina", em São Paulo, em comemoração ao Dia Internacional da Menina, comemorado dia 11 e instituído pela ONU em 2012.
Marielle vive!
“Há a responsabilidade de manter um legado e minha candidatura existiu por isso. Queria terminar um ciclo na minha cidade [era vereadora de Niterói - RJ], mas se tornou urgente ampliar o trabalho que se fazia e garantir as pautas que a Mari conduzia em nível federal. É uma responsabilidade enorme, mas não estou sozinha para assumir. São muitas mulheres negras que estão à frente dessa luta. Chegaremos com força no Congresso”, afirma Talíria.
“Vejo isso de uma forma muito bonita. Marielle foi um símbolo da resistência no sentido de estar como protagonista no processo de uma corrida eleitoral e de um mandato autônomo. O que estou dizendo com isso? A execução da Marielle falou muito da presença das mulheres negras, participando dessa corrida eleitoral”, diz Mônica.
Questionadas se têm medo de morrer como Marielle, elas são diretas: “É um medo constante, mas não podemos deixar que nos paralise”, diz a Mônica. Talíria, que precisou de proteção policial logo após o assassinato de Marielle, já foi ameaçada algumas vezes e fez Boletim de Ocorrência.
“É um tempo muito grave. Matam a Marielle, um militante do PT na Bahia (Môa do Katendê, nome de capoeira do mestre Romualdo Rosário da Costa, morto com 12 facadas), ou seja, lutar é passível de morte. O medo existe, mas é muito menor do que a disposição e dedicação inteira da vida para enfrentar esse retrocesso. Liberdade é não ter medo”, afirma, parafraseando a cantora Nina Simone, ativista pelos direitos civis dos negros norte-americanos.
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