Curso ensina depiladoras a ajudar clientes vítimas de violência doméstica
A depiladora Maria Augusta Romanichen se assustou quando viu o pescoço da cliente que atendia no salão que trabalha. “Tinha marcas de dedos, parecia que alguém havia tentado esganá-la”, diz. Maria, que já tinha passado por um relacionamento abusivo, desconfiou que fosse um caso de violência doméstica. Mas como ajudar uma mulher que passa por essa situação?
Primeiro, comentou que ela mesma já tinha vivido um casamento violento. “Não teve agressão física, mas ele bebia, chegava em casa e me xingava. Era frequente.” Na conversa, a cliente revelou que também era agredida pelo marido.
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A resposta veio com sugestões práticas. Primeiro, Maria pediu que ela contasse o que estava acontecendo a alguém próximo: mãe, amiga, irmã. “É importante ter testemunhas.” Depois, comentou sobre o trabalho nas delegacias da mulher, disse que ela poderia pedir proteção. Seis meses depois da conversa, a cliente estava separada. Fez boletim de ocorrência e conseguiu uma medida protetiva.
São orientações técnicas dadas, normalmente, em escritórios jurídicos ou consultórios ginecológicos. Maria, porém, aprendeu no curso Depiladora Amiga, realizado em Curitiba (PR) pela Universidade Positivo em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde desde 2015. O projeto terá a primeira turma em São Paulo no dia 5 de novembro. O objetivo das aulas, dadas por médicos e estudantes de medicina, é capacitar depiladoras a ajudarem mulheres em situação de agressão e orientá-las sobre doenças, principalmente as sexualmente transmissíveis.
Conversa de salão
A depiladora já fez o curso duas vezes. “O projeto me ensinou a entrar no assunto e ter a delicadeza de conversar sem ser grosseira.” As conversas sobre relacionamento abusivo são frequentes. “Não imaginava que tantas mulheres passassem pelo que passei.”
Ela costuma contar a própria história para estimular a cliente a falar. Maria foi casada por 16 anos e diz ter sofrido humilhações e xingamentos constantes. “Há dois anos, meu ex-marido tentou me agredir. Só desviei e ele se acalmou, mas continuei com medo. Foi quando pedi o divórcio e nos separamos.”
No caso da cliente com marcas no pescoço, o marido exigia que ela não trabalhasse, a xingava na frente de amigos, criticando o que fazia e falava. O dia da depilação foi logo depois de ela pedir o divórcio. “Ao falar em se separar, ele a pegou pelo pescoço, a ameaçou e disse que ela não seria ninguém sem ele.” Mesmo com medo, seguiu as orientações de Maria e se separou.
“Acho que você deveria procurar um médico”
As depiladoras que fazem o curso são orientadas, também, a notarem problemas na saúde sexual das clientes. Idealizadora do projeto, a clínica geral Andressa Gulin, professora de Saúde da Família da Universidade Positivo, conta que teve a ideia ao concluir, após uma pesquisa, que mulheres frequentam a depiladora com uma frequência 13 vezes maior do que vão ao consultório ginecológico.
As aulas são sobre a anatomia feminina, com explicações básicas sobre como reconhecer doenças sexualmente transmissíveis, além de falar sobre os serviços gratuitos no sistema público de saúde, como o exame de HPV, vírus que pode ser transmitido na relação sexual. “Como muitas mulheres não vão até o médico para falar sobre isso, criamos o curso para que as informações sejam levadas até elas pelas depiladoras.”
As depiladoras são orientadas a sugerir que a cliente procure um médico ao perceber sintomas de DSTs - mas nunca a fazer um diagnóstico. Como no caso de Clarice Gonçalves, que percebeu duas “verruguinhas vermelhas” nas partes íntimas de uma cliente. “Disse que não era normal e falei que deveria procurar o médico. Ela tratou e ainda se depila comigo.”
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