Topo

Inspira

Ideias para uma vida mais plena


Quer morar fora por causa da política? Lidar com diferente lá também é duro

A jornalista Fernanda Mira mora na Inglaterra - Arquivo pessoal
A jornalista Fernanda Mira mora na Inglaterra Imagem: Arquivo pessoal

Beatriz Santos e Carolina Prado

Colaboração para Universa

17/10/2018 04h00

A polarização que permeia as eleições no Brasil tem feito muita gente afirmar que, dependendo do resultado, vai pegar o primeiro avião para tentar a sorte fora daqui. Mas mudar de país não é tão simples assim. E encarar uma nova realidade exige planejamento, para que a experiência não seja traumática e desastrosa.

Para a interculturalista Mariana Barros, que trabalha há 15 anos com pessoas que querem morar fora do país, recebendo expatriados no Brasil e enviando brasileiros para o exterior, sair daqui em um momento difícil, na expectativa de se livrar dos problemas, não é a melhor alternativa. “O ideal é avaliar de forma racional, afinal, viajar como turista é bem diferente de se colocar como imigrante. Todos os lugares apresentam dificuldades e desafios e adaptar-se em lugar estranho pode exigir muito mais tolerância e flexibilidade”, alerta.

Leia também:

É importante ter consciência de que, por mais que a origem escolhida ofereça acolhimento e infraestrutura, você sempre será um estrangeiro. Em algumas situações, o rótulo pode pesar e o preconceito, mesmo velado, provocar situações desconfortáveis. Habituar-se ao idioma, controlar a saudade e abrir mão do arroz e feijão não serão, nem de longe, os principais perrengues a serem contornados.

Adriana morar fora - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para a administradora Adriana Maluendas, aprender o idioma é fácil. Difícil é lidar com a saudade da família
Imagem: Arquivo pessoal

A escritora Adriana Maluendas, 46 anos, que está há 17 anos nos Estados Unidos, conta que decidiu sair do Brasil para aprimorar os estudos e buscar novas certificações no exterior, na área em que atuava, em Administração de Empresas.

“Deixar casa, amigos, família, memórias e lembranças é muito doloroso. Ainda assim, foi uma escolha. Mas você nunca se prepara para enfrentar situações graves e, no meu caso, sobrevivi ao maior ataque terrorista ocorrido nos Estados Unidos, em 2001”, relembra. “Cada país tem seus próprios riscos”, acrescenta. Ou seja, não dá para deixar o Brasil com a expectativa de encontrar o destino perfeito, pois esse lugar, infelizmente, não existe.

No dia a dia, Adriana também sofreu com a dificuldade de se colocar profissionalmente. Mesmo tendo estudado fora, ela se viu obrigada a mudar de área, por falta de oportunidade. Além disso, assim como em qualquer outro local, a rotina e a necessidade de sobreviver consomem o tempo e nem sempre é possível realizar tudo o que foi programado. “Gostaria de ter visitado meus pais com mais frequência, com certeza é uma das poucas coisas das quais me arrependo.”

É preciso ter estrutura psicológica para compreender que nem sempre será possível voltar ao Brasil com a regularidade desejada, e isso pode gerar algumas frustrações. “Perdi meu pai quando já estava há alguns anos aqui e sinto muito por não ter podido acompanhá-lo quando esteve hospitalizado. O tempo não volta”, lamenta. 

Em solo internacional, a resiliência é testada em muitas outras situações. “O brasileiro tem uma relação flexível com o tempo, o que pode ser um problema em países que prezam pela pontualidade. Da mesma forma, a informalidade ‘made in Brazil’ pode ser vista com maus olhos em lugares em que é importante seguir as regras”, exemplifica Mariana. Por isso, reconhecer que há diferenças é um passo essencial no processo de integração, sem críticas e julgamentos.

“Pessoas rígidas, autoritárias e intolerantes em seu próprio país são as que têm mais dificuldade em se adaptar em qualquer outro lugar”, considera a personal, professional e leader coach Silvia Donati, certificada pela Sociedade Brasileira de Coaching.

Para a jornalista Fernanda Mira, 41 anos, que mora no Reino Unido, ao decidir ir embora, é preciso evitar as comparações. “Para viver longe de casa é fundamental aceitar as peculiaridades do novo país, adaptar-se às regras e não se apegar aos melindres”, diz. Ela garante que, com o tempo e força de vontade, é possível aceitar o novo. Até porque, segundo ela, as novidades não são apenas negativas. “Escolhi viver em Cambridge, uma região rica economicamente, com diversidade cultural e ideais progressistas. E hoje me sinto aceita e integrada à comunidade. Acho importante escolher bem o destino, pesando vantagens e desvantagens, e não agir por impulso, sem pensar”, conclui. 

Dicas para levar na mala e fazer a mudança dar certo 

Se a decisão for realmente partir para outros destinos, apesar das dificuldades que existem, vale anotar algumas dicas práticas:

- Informe-se sobre as condições legais para entrada e permanência no país. É importante conhecer as leis locais, para saber se conseguirá adequar-se ou não.

- Se possível, faça uma viagem ao local para conhecer e fique o maior tempo possível, antes de seguir de mudança definitiva.

- Avalie racionalmente a sua situação financeira e embarque com uma boa reserva para imprevistos. É preciso contar com uma possível dificuldade de se recolocar profissionalmente, o que acontece com a maior parte dos imigrantes brasileiros.

- Pesquise sobre a cultura, para minimizar os possíveis choques. “O brasileiro que vai para um lugar em que a comunicação é mais direta, pode ter a impressão de que estão sendo grosseiros com ele. Mas não é pessoal, é apenas uma característica local, que é preciso conhecer e aceitar”, diz Mariana.

- No destino, tome cuidado com os guetos. “Conviver com brasileiros no começo pode ser confortável, mas, em longo prazo, pode atrapalhar uma integração à comunidade local, atrasando o conhecimento da cultura”, alerta Mariana.

- Evite agir por impulso. “O melhor momento para mudar ocorre quando estamos convictos de que é a alternativa mais viável, depois de ter analisado os prós e contras. Além disso, é preciso investir em um bom planejamento e antecipar os possíveis problemas que também podem ocorrer no exterior”, diz Silvia.