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Vítimas de pedofilia na igreja serão ouvidas em projeto-piloto no Brasil

Projeto do Vaticano quer ouvir menores abusados por religiosos - Getty Images/iStockphoto
Projeto do Vaticano quer ouvir menores abusados por religiosos Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

Da Universa

18/10/2018 04h00

A Igreja Católica escolheu o Brasil para ser sede de um projeto-piloto que ouvirá vítimas de abusos sexuais cometidos por religiosos. A Comissão para Proteção de Menores do Vaticano, criada com esse intuito, tem um único membro brasileiro, Nelson Giovanelli. É ele que  está à frente da implantação do programa no país. A iniciativa ainda não tem data para começar. Para Giovanelli, fundador da Fazenda da Esperança, programa ligado à Igreja Católica para reabilitação de dependentes químicos, houve uma demora dos representantes católicos para criar um programa como esse e tirar os culpados de seus cargos.

O Brasil é o único país da América Latina a receber o projeto-piloto, que também começará a funcionar na Zâmbia e nas Filipinas. Para dar os primeiros passos aqui, Giovanelli aguarda a aprovação do Vaticano para um “manual de procedimento”, que foi formulado por ele e pela CNBB (Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil). Ainda está sendo estudado o melhor canal para receber os relatos. Não se sabe se será pela internet ou por telefone.

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O fundador da Fazenda da Esperança foi escolhido por já ter experiência com um dos princípios básicos da comissão, a escuta, que faz parte do tratamento dos dependentes químicos que recebe. “Cerca de 30% dos jovens que procuram a Fazenda da Esperança começaram a usar drogas depois de sofrerem abuso sexual na infância”, diz. “E percebemos que deixá-los falar, sem julgamento, os alivia.”

Apesar de acreditar que a Santa Sé está atrasada, dadas as várias denúncias de abuso envolvendo sacerdotes de todo o mundo, ele salienta que é preciso reconhecer o esforço do Papa Francisco. “O discurso dele é de tolerância zero. Como muitas vezes o mais difícil é tomar conhecimento do abuso, porque a vítima tem vergonha e não fala, a comissão deve servir para facilitar esse primeiro passo”, diz. “Quem cometer esse crime será afastado de seu cargo.”

Vítima exige mais posicionamento da Igreja

Abusado por um padre dos 11 aos 16 anos, o empresário Marcelo Ribeiro, 53 anos, duvida da efetividade do projeto. “É mais uma manobra, um subterfúgio porque a Igreja Católica está sendo forçada a dar uma resposta diante de tantos escândalos”, opina. “Enquanto não houver um trabalho conjunto com o Ministério Público, com as autoridades, para punir os abusadores, os crimes continuarão sendo cometidos.”

Ribeiro é autor do livro “Sem Medo de Falar: Relato de uma Vítima de Pedofilia” (editora Paralela), em que fala sobre os abusos sofridos por cinco anos, assim que começou a fazer parte do coral da igreja na cidade de Diamantina (MG). Em uma viagem para se apresentar, acordou com um padre atrás dele, fazendo sinal de silêncio. Dias depois, o mesmo homem o estuprou. “Só comecei a pensar nisso aos 42 anos. Lancei o livro e, até hoje, ninguém da Igreja me procurou”, conta ele, que tentou denunciar para o Ministério Público, mas foi informado que o crime, ocorrido há mais de 20 anos, já havia prescrito.

Projeto mundial

Estados Unidos, Austrália, Irlanda e Alemanha já tem o projeto de ouvidoria de vítimas implantado. Nesses países, escândalos de pedofilia vêm à tona anualmente. No último relatório referente aos EUA, divulgado em agosto deste ano, a Suprema Corte da Pensilvânia listou mais de 300 sacerdotes acusados de abuso sexual de menores. Na Alemanha, um estudo financiado pela Conferência dos Bispos Alemães mostrou que 3.677 menores de idade foram abusados entre 1964 e 2014. Ainda não há levantamento similar no Brasil.