Bombeira salva pessoas do suicídio: "Precisamos ter empatia com o outro"
Chegar em casa e brincar com a cachorrinha Mel é uma das partes preferidas do dia da bombeira capixaba Thaís Lauff, de 33 anos. Os respiros acontecem entre um plantão de 24 horas e outro, momentos em que atende ocorrências em Vitória, no Espírito Santo. “Elas vão desde incêndios até tentativas de suicídio”, explica a agente, que deixou o emprego no comércio para fazer parte da segurança pública da cidade. “Nunca imaginei que precisaria negociar com pessoas e convencê-las a não tirarem a própria vida. Não é fácil, é denso, mas eu amo meu trabalho e não me vejo fazendo outra coisa”.
A maior parte dos casos envolvendo tentativas de suicídio acontecem na Terceira Ponte, que liga a capital a cidades no interior do Estado. Só em 2016, foram 46 casos. Thaís explica que, quando uma ocorrência dessas chega, o coração dá pulinhos no peito. “Quando saio, procuro pensar que vou conseguir, em dar o meu melhor. Se eu já colocar na cabeça que posso falhar, acabo acreditando. Felizmente, todas as minhas abordagens foram bem-sucedidas até agora”.
Veja também:
- Em vídeo comovente, mãe, pai e filha contam tentativa de suicídio da menina
- "Tentei de tudo, mas não consegui evitar o suicídio da minha filha"
- Homens trans são os que mais tentam suicídio entre adolescentes nos EUA
Ela conta que o Corpo de Bombeiros de Vitória recebe, por semana, pelo menos dez ocorrências de pessoas tentando se suicidar. Pelo desempenho de sucesso, ela ganhou notoriedade entre os moradores da cidade, principalmente depois de um caso que foi parar na mídia, em setembro deste ano: uma negociação que durou oito horas e impediu a passagem de carros na ponte.
“Um rapaz subiu no parapeito e ameaçou se jogar. Minha equipe e eu fomos acionadas. Chegando lá, comecei a conversar, a tentar negociar. Ele não deixava que a gente se aproximasse”, conta.
“A negociação precisa ser feita com calma. Perguntei o nome dele e o motivo que o levava àquilo. Ele disse que estava desempregado, que passava dificuldades, não tinha família nem razão para continuar vivendo. Perguntei sobre a mãe dele e, como ele foi receptivo ao assunto, insisti. Ele contou que ela morava em outra cidade, então, sugeri que se reaproximasse, já que ele dizia sentir muito a falta dela”, explica Thaís.
“Eu sempre tento desvendar quais assuntos são importantes para a pessoa. Ele começou a falar de Deus, estimulei, então, o assunto “fé”. Foram oito horas de negociação, e, durante todo esse tempo, ele ameaçava se jogar quando alguém reclamava da ponte interditada. Foi quando pedi que a polícia tirasse todos os carros dali. A gente vive um momento de insensatez. Uma pessoa tentando se matar e os outros pensando em chegar em casa para jantar. Isso mexe muito comigo.”
Segundo a bombeira, a abordagem deve ser de convencer a pessoa a mudar de ideia, e, não, tirá-la à força. “A gente tira hoje e, amanhã, ela pula. É preciso ter respeito com a dor do outro”. Após a negociação, o homem foi retirado do parapeito porque estava fraco e poderia cair. “Ele aceitou que nós o retirássemos dali. Foi encaminhado a um hospital psiquiátrico referência na cidade”.
Apesar de o caso ter repercutido na imprensa, o que mais marcou a ainda curta trajetória de Thaís foi a tentativa de suicídio de uma menina de 14 anos. “Acho que porque era uma mulher, eu sou mulher, mexe mais com a gente”, diz. “A menina tinha uma filha e havia brigado com o pai da criança, que foi embora. Ela se sentiu sozinha, incapaz de continuar vivendo sem apoio. Tinha abandonado a escola e não tinha família. Consegui conversar com ela, cuidar; disse que a vida dela estava só começando e que ela poderia viver de outra maneira. Felizmente, ela recuou. Fiquei pensando nisso por dias, foi um caso que mexeu muito comigo pelo fato de ela ser nova e se sentir sem expectativa”.
Segundo Thaís, a Polícia Militar programa palestras e cursos para agentes que lidam com suicidas. “Recebemos instruções e temos, inclusive, apoio psicológico do setor de serviço social da polícia para conversar e desabafar”, conta. “Tenho que ter muita força, meus colegas também. Afinal, não ajo sozinha, somos um time”.
Depressão e desilusões não foram as únicas causas das tentativas de suicídio que Thaís impediu. Durante um plantão da madrugada, ela precisou atender a uma ocorrência no telhado de uma casa de três andares. Era um homem que tinha esquizofrenia e insistia que estava sendo perseguido. “Foi uma situação muito frágil, difícil. Ficamos até as cinco da manhã, debaixo de chuva, conversando com ele, fazendo-o ver que ele estava protegido. Deu certo”.
“O que mais me dói em tudo isso são as pessoas ao redor não terem empatia com quem passa para uma situação difícil. Alguém que pensa em tirar a própria vida não faz isso para chamar atenção. Essas pessoas precisam de cuidado, e não de gente duvidando delas. Se há alguém assim na família, ajude-a a procurar tratamento. Ele precisa, não é frescura. A depressão mata”.
*Se você está passando por algo semelhante ou conhece alguém que precise de ajuda, disque 188 - Centro de Valorização da Vida
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.