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"Tudo de novo": vítimas da ditadura relatam angústia com tensão política

Segundo levantamento do Datafolha, 50% das pessoas acreditam que há a possibilidade de acontecer uma nova ditadura - iStock Images
Segundo levantamento do Datafolha, 50% das pessoas acreditam que há a possibilidade de acontecer uma nova ditadura Imagem: iStock Images

Natália Eiras

Da Universa

26/10/2018 04h00

Não é só o seu grupo de amigos do WhatsApp que está tenso com a atual situação política do Brasil, cujo segundo turno das eleições presidenciáveis acontece neste domingo (28). De acordo com um levantamento feito pelo Datafolha, 50% dos brasileiros acredita que há chances de haver uma nova ditadura militar --31% deles creem fortemente na possibilidade de um novo regime autoritário.

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O medo atormenta, especialmente, vítimas da ditadura militar no Brasil. Otavio Winck Nunes foi o psicanalista coordenador das Clínicas de Testemunho de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, projeto criado em 2012 pela Comissão da Anistia para ajudar no tratamento de sobreviventes, filhos e netos de pessoas que foram perseguidas na ditadura militar. O especialista diz que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi o que despertou, em seus pacientes, uma sensação de que algo estava fora do lugar. “Houve uma ausência de confiança no Estado".

De acordo com o psicólogo, a angústia está mergulhando os pacientes em uma sensação de impotência. "Isso faz as pessoas acharem que nada pode mudar o cenário e elas ficam deprimidas", explica Otavio. "Parece que toda a força que foi feita para criar uma sociedade mais justa, mais humana, está em outro tipo de projeto, em que violência é promovida". 

Para entender um pouco as impressões destas pessoas sobre o cenário político atual, a Universa ouviu o depoimento de três mulheres que foram vítimas do regime militar de diferentes maneiras. Leia a seguir os depoimetos delas:

"Meu pânico é que as pessoas percam a humanidade"

A psicopedagoga e professora aposentada Nilce Azevedo Cardoso, 73, saiu de Orlândia (SP) para cursar Física na USP (Universidade de São Paulo), em 1964. Ela entrou no campus da faculdade junto com os tanques da ditadura militar. Logo ingressou no Movimento Estudantil. Em 1972, a professora foi sequestrada pelo Exército e encaminhada para o DOPS (Departamento e Ordem Política e Social) do Rio Grande do Sul, onde morava na época, e depois para a OBAN (Operação Bandeirantes), em São Paulo (SP), onde foi tão torturada que chegou a ficar oito dias em coma. A professora passou por quatro meses de muita violência, da qual tem até hoje sequelas, como a cirrose. 

"Agora, estamos vendo tudo isso acontecendo. As pessoas estão seguindo todos os passos que já deram antes. Quando ouvi que iam banir as pessoas 'vermelhas' do Brasil, foi muita dor. Estou em uma angústia porque sinto que estamos passando pelas mesmas coisas de novo.

Essa semana vai ser muito perigosa. Estou lutando muito contra esse clima, para que as pessoas não percam a motivação de lidar com tudo o que pode vir pela frente. Meu pânico é as pessoas perderem a humanidade. Isso me assusta. A gente tinha que ter muito mais garra para lutar contra a violência, que vem dos dois lados. Vamos levar mais de 21 anos para colocar esse país para pensar de novo."

"Eu me sinto pessoalmente ameaçada"

A jornalista Márcia Bassetto Paes, 62, de São Paulo (SP), cursava História na USP (Universidade de São Paulo) quando entrou para a Liga Operária, organização que era clandestina na época apesar de ser contra a luta armada. Em 1977, aos 19 anos, foi presa na porta de uma fábrica enquanto fazia panfletagem pelo 1º de Maio, o Dia do Trabalhador. A jornalista ficou quatro meses no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo (SP), onde foi torturada. 

"Eu me sinto pessoalmente ameaçada, de certa forma. Não faço mais militância. Tenho uma família, uma filha, e trabalho bastante. Mas estou absolutamente chocada com os acontecimentos. Tudo tem me deixado angustiada. Os indícios de uma reversão histórica sem precedentes são bastante claros. Na verdade, a ditadura nunca deixou de existir. Nós nunca prestamos contas do que foi feito, nunca colocamos no banco de réu os responsáveis. É impossível conviver com uma persona que exalta um personagem como [Carlos Alberto Brilhante] Ustra, que é um torturador, assassino. Estamos colocando pessoas em risco. Com os desonestos, a gente pode arrumar mecanismos dentro do estado democrático para combater. Com o fascismo, a gente é simplesmente esmagado."

"As pessoas estão a um passo da barbárie"

Maria Luiza Castilhos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A psicóloga Maria Luiza Castilhos, 64, viu o pai ser presos duas vezes pelo regime
Imagem: Arquivo Pessoal

A psicóloga Maria Luiza Castilhos, 64, de Porto Alegre (RS), tinha nove anos quando viu o pai, um vereador pelo PTB em Rosário do Sul, interior do Rio Grande do Sul, ser preso pela primeira vez, em 1965. O político, tachado como comunista por ser democrata, foi detido pelo Exército duas vezes. A família de Maria sofreu com o preconceito e o medo na pequena cidade. O pai, por sua vez, não falava sobre o que tinha acontecido na prisão. Por sentir que havia um buraco na sua história, a jornalista começou a compartilhar com as irmãs as histórias que se lembrava daquela época. Foi a partir daí que ela escreveu o livro “Elvis, Che, Meu Pai e o Golpe” (Editora Libretos, 2008).

"A gente não consegue deixar de comparar o que está acontecendo hoje com o que ocorreu naquela época, apesar de ter diferenças. É a sombra, novamente.

O que me assusta muito é o comportamento de massa, bastante acentuado pela internet. Essa capacidade de pessoas se orientarem por uma ideia sem questionamento, com o desejo de encontrar ali o tal do 'salvador'. Vira mais uma coisa de fé do que de convicção política. Estão a um passo da barbárie. 

É apavorante se dar conta como a questão estrutural não mudou. Quando você passa de novo por algo muito ruim que já viveu, você fica incrédula. Como pode o raio cair duas vezes no mesmo lugar? O sofrimento é muito semelhante, e talvez atualmente tenho até mais clareza dos riscos que corremos. Para mim, hoje, perceber a possibilidade de perder a liberdade é muito mais dramático do que há muito tempo."