Não sabia como chamar Haddad de poste, diz tradutora de Libras de Bolsonaro
Fake news, comunismo e kit gay. Estes termos, tão presentes no vocabulário do presidente eleito Jair Bolsonaro não são difíceis de serem traduzidos para Libras (a Língua Brasileira de Sinais), afirma Angela Mariano Julião, professora de surdos e intérprete da língua para surdos e uma das três profissionais que acompanham o político em seus discursos. O desafio, ela conta, foi explicar para surdos e deficientes auditivos o apelido que Bolsonaro usava para chamar seu adversário, Fernando Haddad, durante a campanha: poste. "A equipe de Bolsonaro me explicou o contexto de que Haddad estaria obedecendo às ordens do Lula e, baseado nisso, fiz a interpretação. Eram quatro sinais: o de metáfora (a mão esquerda aberta e a direita pontua com o indicador a frente e as costas da direita), Haddad (que são os dedos em forma de H, como se fosse um chifrinho, girando em frente da testa), o de poste e o de rosto", explica Angela.
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Angela e Bolsonaro se conheceram em 2017. Ela foi indicada por um aluno que é amigo de uma frequentadora da mesma igreja evangélica de Michelle Bolsonaro, a nova primeira-dama, que é também uma estudiosa das Libras. “Eu ouvia que ele era machista e eu sou uma mulher que luta pelo meu espaço na sociedade; então, estava com medo”, fala a profissional, que mal saiu do lado do então candidato na maior parte da campanha. Mas, segundo Angela, o político "é simples e carinhoso" com a filha Laura, de oito anos, e com a mulher. "Ele é de boa, muito bonzinho”, afirma. A amiga de Michelle, aliás, é uma das criadoras da página no Facebook chamada BolsoSurdos.
A intérprete e pedagoga bilíngue, que já trabalhou na campanha de três candidatos a prefeito de cidades da Baixada Fluminense, esteve presente no primeiro vídeo que Bolsonaro fez após a vitória nas urnas. "Foi muito difícil", diz. "Ele não me falou de antemão o que ia ter no discurso. Fui sabendo na hora e tive que lidar com toda aquela emoção".
Em Libras, o presidente Bolsonaro é representado com uma continência na cabeça, em que os dedos deslizam para cima. Ele foi "batizado" assim por Carolina Correia e Cézar Pedrosa, da página BolsoSurdos. “Os surdos não soletram o nome inteiro da pessoa a que se referem. Eles criam um sinal baseado em alguma característica da pessoa e o repetem sempre. No caso de Bolsonaro, é porque ele é um ex-militar”, diz Angela.
Dia da facada
Outro gesto muito usado na campanha de Jair Bolsonaro, segundo Angela, foi o de “I Love You”. "Veja em fotos. Ele e Michelle fazem bastante", garante ela. O sinal é parecido com o de heavy metal. “O dedinho significa I, ‘eu’ em inglês, o dedão e o indicador formam o L, de ‘love’ [amor], e a curva entre o dedinho e o dedão é o U, de ‘you’, ‘você’”, explica a profissional.
“A Michelle é apaixonada pela linguagem dos surdos. Ela está num nível intermediário e fazia questão de ficar comigo em todas as gravações", diz Angela. Ter uma intérprete de sinais era uma parte tão importante da campanha para a mulher de Bolsonaro que ela ameaçou abandoná-la caso as profissionais fossem retiradas do orçamento. "Eu estava trabalhando com a Michelle quando ela soube da facada que o Bolsonaro levou em Juiz de Fora. Foi horrível. Ela chorou muito, mas se manteve firme".
17, confirma?
Quando perguntada se votou no patrão, Angela Mariano é escorregadia. "Não posso declarar meu voto porque sou professora e não quero influenciar meus alunos”, diz ela. "Meu marido fechou com o Bolsonaro, mas minha filha mais velha é do PSOL”, defende-se. “O Jair, como pessoa, eu defendo. Como político, por uma questão de ética profissional, fica complicado eu tomar uma posição e influenciar os surdos e alunos. Cada um tem suas escolhas e ideologias”, diz Angela, que espera ser convidada por Bolsonaro para continuar trabalhando com ele.
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