Histerectomia: elas contam como a vida mudou após retirarem o útero
No ano passado, a atriz e diretora Lena Dunham, da série “Girls”, da HBO, revelou que fez uma histerectomia, nome do procedimento médico indicado para a retirada do útero, por conta da endometriose. Quase um ano após a cirurgia, Dunham precisou ser internada novamente, desta vez para tirar os ovários que estavam “envoltos a um tecido cicatricial e fibroso, preso ao intestino e pressionando nervos", conforme explicou em foto publicada em seu Instagram. Seu caso ilustra a realidade de muitas mulheres que precisam retirar o órgão reprodutor por conta de problemas de saúde, às vezes antes mesmo que a mulher tenha a chance de engravidar.
Dani Ejzenberg, médico ginecologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP diz que o procedimento é indicado em casos nos quais os tratamentos convencionais à doenças do útero não surtem efeito. Endometriose ou miomas, tumores benignos que podem provocar dor e sangramento são exemplos. Também é indicado para pacientes que têm câncer de endométrio, câncer de colo de útero avançado ou câncer de ovário. A cirurgia também é feita em pessoas transgêneros, mas os critérios para a realização da histerectomia são muito diferentes.
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O parecer do médico pode fazer com que o procedimento pareça simples, mas a prática é bem complicada para a mulher, seja por conta da impossibilidade de engravidar ou porque a intervenção faz as pacientes refletirem sobre o que significa o feminino. Conversamos com quem passou por isso para saber o que mudou em suas vidas após retirar o útero:
“Aceitar a situação é necessário, não importa a tragédia”
Clarissa Wolff, 27 anos, escritora e autora do livro “Todo Mundo Merece Morrer” (Versus Editora), de São Paulo (SP).
“Em janeiro de 2016, fiz uma videolaparoscopia e tirei o útero, ovários e peritônio [membrana que reveste os órgãos do abdômen], chamado de pan-histerectomia radical. Tinha 24 anos, e o motivo foi um tumor borderline de ovário bilateral. Tinha dores intensas, mas como tenho endometriose diagnosticada desde que comecei a menstruar e os exames mostravam a possibilidade de cisto hemorrágico no ovário, a descoberta do câncer foi só na videolaparoscopia que serviria para melhorar o quadro da endometriose. No pós-operatório, a dor foi absurda por causa da retirada do peritônio. Como teve ressecamento no diafragma, também foi bem difícil recuperar a respiração normal.
A notícia de que eu teria que tirar o útero me impactou demais. Passei um mês chorando todos os dias de noite, principalmente com medo do impacto na minha libido e prazer sexual. Há muitas mudanças hormonais, na minha saúde e condição física... até esteticamente essa menopausa precoce mexe. Foram momentos de muita dor em que tive o apoio de amigos, família e do meu parceiro. Meu marido foi meu porto seguro.
Eu nunca tive o sonho de ser mãe, mas sempre quis experimentar o parto. É algo que ainda não lido adequadamente e por isso mesmo estou trabalhando o tema no meu segundo romance. Acho que a maternidade compulsória tem um impacto psicológico muito profundo nas mulheres como classe e indivíduo, e é muito difícil se dissociar disso. Ainda esqueço que não vou engravidar, ainda me pego chorando pensando nisso às vezes. Mas aceitar a situação é necessário, não importa a tragédia, né?”.
“A decisão foi um alívio”
Eloisa Leal Gonçalves, 65 anos, pedagoga e coach, de São Paulo (SP).
“Tive um mioma com crescimento repentino e acentuado aos 35 anos. Retiraram somente o útero. A recuperação foi demorada e dolorida - os 15 dias de licença não foram suficientes e fiquei de molho mais uns 10 dias.
A decisão foi um alívio, pois tinha dores constantes e total perda de energia. Claro que ninguém opta por uma cirurgia se não for a única solução. Tirando o medo da operação, não sofri nenhum impacto emocional, afinal, já tinha meus três filhos e a sensação de um tumor crescendo e pesando me angustiava mais. Imagino que a decisão deve ser terrível para quem ainda não teve filhos.
Ser mulher é ser plena, resolvida, feminina em suas esquisitices e acertos. A histerectomia me livrou da TPM, das cólicas, dos absorventes, do controle da natalidade. Se a intervenção for necessária e se a maternidade já estiver resolvida, aconselho a fazer sem medo. A vida fica muito menos complicada, a sexualidade liberada e até mais prazerosa. Não vivi a menopausa, nunca fiz reposição hormonal e continuo plenamente mulher”.
“Após a cirurgia, pensei: não vou poder ser mãe biológica”
Janive Airano, 39 anos, técnica em planejamento, de Volta Redonda (RJ).
“Fiz minha histerectomia neste ano, em maio. Ela foi parcial, retirei útero, trompas e o colo do útero. O médico conseguiu preservar os ovários. Sou casada há seis anos, e desde o início casamento tentamos engravidar. Eu e meu marido fizemos alguns tratamentos, e aí veio o desemprego, e o sonho de engravidar ficou em segundo plano. Tinha cólicas fortes, grande fluxo, mais tudo era por "uma boa causa". Eu aguentava com um sorriso no rosto, pois era um processo necessário para realizar meu sonho. E foi assim que coisas saíram de controle. Em um período de seis meses, alguns miomas já existentes, que eram de tamanho pequeno e estagnado, se desenvolveram. A rapidez do crescimento e o tamanho total do útero me fizeram entrar em emergência médica. Minha cirurgia foi com abertura abdominal, como em uma cesária, pois além do tamanho havia ainda a suspeita de aderência em outros órgãos.
Meu médico foi extremamente solícito e humano em minha recuperação. O repouso e a ajuda da família foram também de extrema relevância. O desconforto no início foi mesmo com relação aos pontos e ao corte. A cirurgia foi um sucesso, resolveu minha emergência que era o útero anômalo principalmente.
Foi tudo tão rápido que não houve muito tempo para pensar. Só começou a cair a ficha no dia da cirurgia. Sabia da necessidade física, então tentei me equilibrar, e fazer o que era necessário. Só fui forte... Era uma questão de vida.
Após a cirurgia, quando abri os olhos pela primeira vez pensei: ‘puxa, não vou poder ser mãe biológica’. Senti como se estivesse sendo arrancado, sem anestesia, uma parte do meu coração, do meu futuro e dos meus sonhos. Quando cheguei em casa e me deparei com a nova realidade, foi que a dor veio com toda a intensidade. Este processo foi, sem dúvida, o maior luto em que passei e passo em toda a minha vida.
Saber que meu sonho não será realizado já faz com que o brilho do mundo fique menor. Não vemos problemas na adoção, mas não foi o que sonhamos. Dizem que o tempo cura, espero... Mas mesmo após cinco meses, ainda fico extremamente emocionada quando penso no assunto, e penso várias vezes ao dia”.
“Fazer a cirurgia foi a melhor decisão que tomei”
Janaína de Paula, 38 anos, dona de casa e artesã, de Mossoró (RN).
“Em 2012, sentia muito sono e um peso terrível nas pernas. Foi quando procurei minha ginecologista e foi diagnosticada a endometriose, além de muitos miomas e uma forte anemia. Nunca senti dores e nem tive hemorragias, mas minha médica me encaminhou com urgência. Não consegui fazer a cirurgia pelo SUS na época.
Em maio de 2014, fiquei grávida, e o tempo da gravidez foram os piores dias da minha vida. Os miomas cresceram muito, a ponto de expulsar meu bebê com dois meses de gestação - foi um aborto espontâneo. Em fevereiro de 2015, fiz minha histerectomia total, preservando somente os ovários, aos 34 anos.
Seis meses após a cirurgia, apareceram cistos no ovário, como focos da endometriose, mas dificilmente sinto alguma dorzinha. Fazer a cirurgia foi a melhor decisão que tomei, e nunca me impactou em nada. Eu já tinha dois filhos.
Para mim, ser mulher é sentir-se realizada e completa, vivendo plenamente a vida sem dor. Como mulher, Deus me permitiu gerar duas vidas em meu útero, e hoje vivo muito feliz sem ele. Sei que os médicos apelam para todo tipo de tratamento antes de fazer uma histerectomia, mas quando eles encaminham, é porque não existe outro jeito: uma hora ou outra tem que fazer”.
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