Política também é coisa de criança: especialistas ensinam a tratar o tema
O clima tenso que marcou as eleições deste ano não poupou nem as crianças. A pequena Sophie, 6 anos, enxergou a última eleição como uma disputa entre o bem e o mal. A mãe, Debora Ayumi Makita Lucato, 32 anos, auxiliar administrativo, explica que a menina foi bastante influenciada pela avó materna, que defendeu um determinado candidato, enquanto criticava veementemente o outro. “Tive que desmistificar essa proposta, mostrando que ninguém é totalmente bom ou mau. Ela também voltava da escola com muitas opiniões formadas, que eu tinha que relativizar”, conta.
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Para a psicóloga Gabriela Malzyner, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, uma situação como essa é uma ótima oportunidade para falar de questões sociais e, a partir delas, desenvolver valores éticos. A psicopedagoga Irene Maluf, membro da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de Psicopedagogia Nacional (ABPp) explica que, se a criança expressa medo ou dúvida, cabe aos pais demonstrar serenidade e compreensão, esclarecer e orientar sobre o assunto.
“Meu filho de sete anos ficou muito mexido e isso gerou um desconforto em toda a família. A questão foi levada até para a psicoterapia”, relata Suzana Andrade*, 38 anos, gerente de projetos. Ela conta que há uma grande divergência política entre ela e o pai da criança, o que gerou os primeiros conflitos. Além disso, o filho começou a escutar comentários sobre os candidatos e passou a temer a violência. “O medo aflorou mais devido à possibilidade de as pessoas andarem armadas. Ele também ficou assustado porque escutou que havia a possibilidade de voltar a ditadura e de pessoas de quem ele gosta muito serem ameaçadas”, explica.
Além de ajuda psicológica, o menino recebeu da mãe todo o apoio para sentir-se mais confiante. “Percebi que o meu medo estava afetando-o e, por isso, passei a me policiar mais. Expliquei as diferenças políticas evitando a polarização, tentei mostrar que, mesmo com ideias divergentes, as pessoas devem se respeitar. Meu objetivo era tranquilizá-lo”, diz a mãe.
O escritor Pedro Markun, co-autor do livro Quem manda aqui? (Cia da Letrinhas) conta que, ao lançar a obra, queria justamente gerar elementos para uma conversa sobre política com as crianças. “A ideia é tirar a tensão do assunto, que é uma parte cotidiana das nossas vidas e que deve ser tratado com naturalidade”, diz. Ele acredita que é impossível filtrar o que o filho vai ouvir por aí, por isso, os pais devem ser mediadores qualificados desse tipo de informação. “Se os pais não tiverem essa postura, o filho vai formar opinião de orelhada: na escola, ouvindo o noticiário, enquanto está brincando ou presenciando uma discussão exaltada sobre política”, afirma.
É da sua conta, sim!
É importante mostrar aos pequenos que os temas relacionados à política são importantes para o País e que eles serão automaticamente afetados, agora ou no futuro. Porém, é preciso respeitar o nível de amadurecimento da criança e responder às demandas que ela apresenta. “Questione o que ela está entendendo da situação e ofereça o que ela deseja saber, falando de forma que possa compreender”, diz Gabriela.
De acordo com Irene, é praticamente impossível afastar os filhos dos noticiários e de seus conteúdos. E esse não é o caminho: “O que importa é tentar selecionar as melhores e mais confiáveis fontes de notícias e procurar explicar às crianças o que ocorre, em uma linguagem simples. Ensinar a distinguir os fatos reais das perturbadoras e fantasiosas interpretações é essencial”.
O papel da escola
A pedagoga Janaína Muscari Bormann, 45 anos, mãe de Ana Laura, 11 anos, conta que, na escola, a professora da filha começou a tratar os temas fascismo e comunismo para sanar as dúvidas que partiram dos alunos. “Esse assunto nem seria abordado em aula naquele momento, mas houve a necessidade de dar uma pincelada, sem citar candidatos, apenas para esclarecer as dúvidas pertinentes”, diz a mãe. Em casa, a menina continuou fazendo perguntas e Janaína buscou matérias e vídeos para validar algumas informações sobre preconceito, machismo, racismo e homofobia.
“Essa é uma fase em que as crianças estão muito receptivas para o conhecimento. E o questionamento é uma parte importante do aprendizado”, diz a psicóloga. Para Irene Maluf, se ocorrer algum problema na escola, os pais devem ouvir os filhos, procurar conversar com outros pais e até com a coordenação e a direção, se sentirem necessidade. O ideal é que se estabeleça uma relação de parceria, respeito e confiança entre a família e a escola.
*Nome trocado a pedido da entrevistada
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