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"Mulher é mais delicada": barbeiras quebram padrões em ambiente masculino

 A equipe da Mulher Barbeira, de Belo Horizonte (MG) -  Arquivo Pessoal
A equipe da Mulher Barbeira, de Belo Horizonte (MG) Imagem: Arquivo Pessoal

Laura Reif

Colaboração para Universa

22/11/2018 04h00

É comum encontrar barbearias pelos centros das cidades e, cada vez mais, nas regiões metropolitanas. Espaços com decoração retrô, que anunciam serviços de estética muitas vezes acompanhados de hambúrgueres e cerveja. Se você já espiou o interior de um barber shop, deve ter notado que esses estabelecimentos são regados de símbolos de um ideal de masculinidade, como luminárias feitas de garrafas de uísque e quadros de motos. Os funcionários? Geralmente, homens. Mas as mulheres também mandam bem com a navalha e estão conquistando espaço nesse mercado. 

Bruna Magagnin - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Bruna Magagnin
Imagem: Arquivo Pessoal

Bruna Magagnin, 28, de São Paulo, atua na área há cinco anos e trabalha na Barbearia Corleone. Ela é a única mulher ali, ao lado de seis barbeiros. Bruna conta que em entrevistas anteriores de emprego, para outros lugares, as barbeiras ganhavam menos que os barbeiros.

    A dificuldade para encontrar um emprego foi sentida pela barbeira Fran Dias, 30. Do interior de Minas Gerais, ela cortava os cabelos dos vizinhos e amigos desde os 10 anos. Ela se especializou e tentou trabalhar em barbearias de Belo Horizonte, mas, após muitas tentativas, não conseguiu. "Por questão de tradição, né? Os homens sempre trabalharam entre eles. Aí vem uma mulher?", explica.

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    Fran Dias - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
    Fran Dias
    Imagem: Arquivo Pessoal

    Fran juntou suas economias e abriu a Mulher Barbeira, na capital mineira, em 2016. Lá trabalham só mulheres: quatro barbeiras e duas recepcionistas. Ela não vê problemas em formar uma equipe mista, mas não tão cedo. "Irei contratar homens no dia que as profissões deixarem de ser separadas por gênero", afirma. 

    Para Fran, as barbearias podem ser locais hostis, então ela criou uma vibe diferente: ao invés de motos, bicicletas. No lugar de garrafas de uísque, máquinas de costura compõem a decoração. "Para lembrar das nossas mães, das nossas avós", explica. "Nunca passamos por assédio. Os homens que vão à Mulher Barbeira têm postura muito elegante. O próprio estabelecimento faz um filtro", pondera.

    Pedidos de namoro

    Apesar de o trabalho de Fran ser livre de assédio, outras mulheres não têm tanta sorte. Bruna diz que é comum perguntarem se ela namora, que a chamam para jantar e até para viajar. Ela já ouviu frases como "você é tão bonita para estar solteira".

    Larissa Pena, proprietária da Barbearia Pena de Ouro, em São Paulo, trabalha com beleza há 12 anos e há cinco tem se dedicado à barbearia. Ela diz que o assédio não é tão comum, mas acontece e cita um fenômeno mais específico: o de notar uma "certa esperteza" do cliente em deixar o braço no encosto da cadeira de forma que toque no corpo da barbeira intencionalmente.

    Jennifer Simiao  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
    Jennifer Simiao
    Imagem: Arquivo Pessoal

    Barbeira há três anos, Jennifer Simiao, 27, de São Bernardo do Campo, abriu o Charlie Skatebarber, no bairro Baeta Neves, em 2016. Ela  diz que nunca foi assediada. "Mas já aconteceu com colegas minhas. De o cara dar em cima, ficar falando besteira e até mesmo ficar excitado enquanto está deitado fazendo a barba", conta.

    "Mulher é mais delicada"

    A maior parte das entrevistadas declarou ter escutado a frase acima. Também foi dito que muitos ficam curiosos para ver como é o atendimento de uma barbeira. "Às vezes o cliente que é novo não espera que vai chegar aqui e ser atendido por uma mina. No final, acaba se surpreendendo. Já ouvi que somos mais atenciosas, que o toque é mais leve. Os barbeiros por aí têm a mão pesada. Acho que por ser homem e ter essa coisa de ser bruto acaba deixando atrapalhar o serviço", diz Jennifer. 

    Bruna também disse já ter sido procurada por curiosidade. "Aconteceu de o cliente marcar [comigo] porque nunca viu uma barbeira. 'Você é a única, você deve ser sensacional, né?'. Respondi: "Olha todo mundo aqui trabalha igual.'" 

    Encontro de barbeiras

    Larissa Pena - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
    Larissa Pena
    Imagem: Arquivo Pessoal

    Larissa Pena promove anualmente o Encontro de Barbeiras, em São Paulo. Neste ano, o evento chegou à quarta edição. "O encontro tem como intuito direcionar as mulheres do ramo a serem profissionais diferenciadas. Também é para muitas iniciantes que estão cheias de coragem para enfrentar o mercado", explica.

    E funciona. Jennifer conta que o primeiro contato que teve com uma barbeira foi no evento. Ela coloca a organizadora como uma inspiração e reforça a importância da troca de informações nas palestras. Larissa explica: "Por menor que seja, ainda há preconceito por parte dos contratantes e dos clientes. Eu tenho experiência para entender que devemos nos dedicar 100% àqueles que sentam em nossas cadeiras e não chorar ou fazer revolta para aqueles que não querem. A eles nem dou a ousadia de me importar. Tento passar isso firmemente nos encontros".