Por que mulheres estão procurando ginecologistas feministas?
O feminismo tem chegado cada vez mais perto dos consultórios médicos. Ir ao ginecologista pode ser uma experiência desconfortável para muitas mulheres e que tem chances de piorar, seja por descaso do profissional de saúde ou por casos de violência e assédio. Por conta dessa insatisfação, mais mulheres têm procurado quem efetivamente ouça seus questionamentos, mostre como o corpo delas funciona e que faça um planejamento familiar consultando a opinião da paciente. Estas profissionais existem e tentam introduzir a autonomia feminina em seu atendimento. Afinal, qual a importância de se consultar com uma ginecologista feminista?
Ela cansou da consulta 'mecânica'
A produtora cultural Nathalie Mendes, de 31 anos, passou a procurar ginecologistas feministas porque estava farta do atendimento distante de seus antigos médicos. O último com quem passou, que também atende sua mãe, era resistente à ideia dela de trocar a pílula anticoncepcional, que ela toma há muito tempo. Cansada e precisando atualizar seu exame de papanicolau, Nathalie decidiu procurar o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, na cidade de São Paulo, por indicação de colegas.
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Ela conta que a diferença de tratamento foi percebida de imediato. "A doutora me ouviu muito atenciosamente, me falou sobre diversos métodos anticoncepcionais, inclusive diferentes tipos de pílula, seus prós e contras, e o tempo todo enfatizou que a escolha do melhor método precisa ser minha, respeitando o que eu acho importante", relata.
Na hora de realizar o papanicolau, a profissional fez questão que Nathalie participasse do processo ativamente, e não só ficasse deitada na maca esperando acabar. "Foi um exame extremamente tranquilo e sem o constrangimento habitual de quando é feito da forma tradicional. A maca não possui aqueles apoios de pé que nos deixam em posição incômoda. Durante o exame, ela explicou cada parte do procedimento. Perguntou se eu gostaria de olhar no espelho o que era visível. Foi diferente do que estamos acostumadas", relembra. Após a experiência, ela pretende continuar a ter este acompanhamento. "Eu acredito que pelo fato do feminismo trazer à tona a sororidade, a empatia e o respeito, o atendimento acaba sendo menos mecânico".
Atendimento feminista faz diferença?
A obstetriz Ellen Vieira, que atende no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, explica o que tem feito as mulheres procurarem uma profissional de saúde que seja abertamente feminista. "As mulheres percebem que têm mais autonomia de decisão porque são tratadas com respeito, tiram as dúvidas e confiam que é uma relação de empatia [entre médica e paciente]".
Vieira cita que as principais frustrações de quem procura as consultas do coletivo têm relação com o desconhecimento do próprio corpo e de outras alternativas de planejamento reprodutivo, ou seja, outros métodos anticoncepcionais. "Buscamos, primeiro, mostrar que a mulher é capaz de entender o que está acontecendo com o corpo dela, desconstruir a imagem de que o corpo da mulher é falho e que precisa de correção". Ela cita, por exemplo, que muitas pacientes não sabem que não têm problema o ciclo menstrual não se encaixar dentro do padrão de 28 dias; ou que o "corrimento" que sai pela vagina dias antes da menstruação não é candidíase, e sim "um muco que faz parte do ciclo", explica.
É fácil achar uma ginecologista feminista?
Apesar de perceber uma "procura maior" por ginecologistas feministas, Vieira ressalta que ainda é uma questão que envolve privilégios. "Falta muito trabalhar tanto a população, para assumir esse controle social, de cobrar atendimento humanizado, como trabalhar com os profissionais para que saibam que estão cometendo violências".
Um dos privilégios, além de ter acesso fácil às médicas, é de pagar a consulta. No Coletivo, a consulta com retorno incluso em até 40 dias, custa R$ 270, e elas emitem recibo para quem pode pedir reembolso pelo plano de saúde.
"Quando o coletivo foi fundado, em 1981, ele tinha financiamento de organizações estrangeiras. Hoje, isso não acontece mais. Para contornar essa situação de acesso, oferecemos uma consulta social: é uma consulta com um valor que a mulher pode pode pagar ou é totalmente gratuita, depende da condição financeira dela. A gente explica nosso lado e a pessoa explica o lado dela, se ela não puder pagar".
Ela também diz que o Coletivo está promovendo cursos de capacitação de profissionais da saúde, especialmente da rede pública, para que possam expandir este tipo de tratamento. "Não queremos monopolizar o atendimento feminista", afirma.
Limitações do ofício
A ginecologista e obstetra Ana Thais Vargas, da clínica Lumos Cultural, em São Paulo (SP), abriu seu próprio consultório em 2014. Antes disso, ela trabalhava na rede pública de saúde. Ela afirma que sempre teve a abordagem feminista na ginecologia, mas que era difícil exercê-la no começo. "A demanda é muito grande, a individualização do atendimento é perdida porque o volume de pessoas não permite que a gente trabalhe dessa forma. Quando eu estava no SUS, tomava meu tempo para atender minhas pacientes do pronto-socorro de forma mais aprofundada, e meus colegas me criticavam muito, dizendo que ‘eu tinha que atender mais rápido’", conta.
Hoje, com consultório próprio, ela afirma que tem retornos "muito positivos" de suas pacientes, que indicam as amigas. "Acho que o que define o atendimento feminista é quando eu devolvo e explico à paciente todo o processo que está acontecendo com ela. Procuro dar mais abertura a pacientes transgêneros e não-heterossexuais também".
À procura de uma ginecologista
Lilian Urbini, de 31 anos, está buscando uma médica que realmente escute seus questionamentos no consultório, mas ainda não encontrou. "Já passei por profissionais pouco éticos e já fui exposta a algumas situações desconfortáveis. Tenho procurado por alternativas de cuidados de saúde muito mais relacionadas com técnicas relacionadas ao autoconhecimento e autocuidado, até porque tenho estudado a medicina ayurveda [que fala sobre os benefícios de alinhar corpo, mente e natureza], então uma médica que tivesse uma abordagem mais natural favoreceria muito mais a minha saúde nesse momento", diz.
Uma das situações pelas quais passou foi em um hospital universitário, durante um atendimento de emergência. "Fui exposta a uma aula dos alunos residentes, eu tinha aproximadamente 20 anos. Como eu busquei por atendimento médico universitário, eu imaginei que isso aconteceria, mas não de uma forma tão expositiva. Tinham muitos alunos, quase todos homens, e o médico era homem também". Estar rodeada por eles fez com que ela passasse anos sem pisar na sala do ginecologista.
Ela afirma que ainda não encontrou quem a atendesse, especialmente porque depende do plano de saúde para bancar a consulta, mas que tem recebido indicações de familiares, amigos e também tem buscado na internet, em grupos do Facebook. "Acredito que a médica feminista acaba tendo mais essa visão de empatia, saindo dessa zona de conforto do atendimento distanciado".
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