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"Eu e Malala temos histórias parecidas", diz carioca agraciada pela Unicef

Lays foi escolhida pela Unicef para representar o Brasil em uma convenção pelo combate à violência nas escolas - Rebecca Hearfield/Unicef
Lays foi escolhida pela Unicef para representar o Brasil em uma convenção pelo combate à violência nas escolas Imagem: Rebecca Hearfield/Unicef

Camila Brandalise

Da Universa

07/12/2018 04h00

A paquistanesa Malala Yousafzai, 21, tomou um tiro na cabeça em 2012, ao voltar da escola, em um atentado promovido pelo Talibã em represália à notoriedade mundial que ela alcançou ao revelar ao mundo a dificuldade de estudar em um país dominado pelo regime fundamentalista. Na época, meninas estavam proibidas de ir à escola, mas ela insistiu. Virou um símbolo do direito à educação.

A carioca Lays dos Santos, 19, também enfrentou uma guerra para estudar: a da violência na favela do Palmeirinha, no Rio de Janeiro, uma zona de disputa entre facções rivais. Lays sobreviveu a um tiroteio, a ponto de ter que se esconder no banheiro. Perdeu dias de aula por causa da violência. Dias depois, deu de cara com a escola fechada em uma manhã porque, na noite anterior, traficantes invadiram o espaço para guardar armamentos. Mas não desistiu de frequentar as aulas. Da comparação com a paquistanesa, vê algumas semelhanças: "Malala é uma potência jovem, defendeu o direito à educação apesar do risco da violência. Nossas histórias são parecidas."


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O trabalho de Lays em prol da educação começou em 2016, depois que um amigo foi assassinado. Ela criou, com o irmão, um grupo chamado "Eu Vivo Favela", que organiza encontros entre adolescentes para falar sobre a importância de continuar estudando, apesar da violência. 

Ficou conhecida como uma liderança jovem na comunidade, o que a fez ser escolhida pela Unicef, braço da ONU (Organização das Nações Unidas) pelos direitos de crianças e adolescentes, a representar o Brasil em um encontro mundial na África do Sul, no começo de dezembro. Na capital Joanesburgo, participou da elaboração de um manifesto pela segurança de crianças e adolescentes em áreas de conflito. 

"Corri riscos, mas tanto eu quanto meus pais acreditávamos que eu precisava ir às aulas." Hoje, a estudante de Serviço Social, que trabalha no Comitê para Prevenção do Homicídio do Ministério Público do Rio, tem um sonho: "Que todos os jovens possam chegar às suas escolas sem medo."

Leia, abaixo, o relato de Lays à Universa.

"Barulho de tiro é coisa comum para quem mora na favela. E não tem horário. Então era normal estar na escola e escutar disparos. A lembrança mais marcante que tenho foi de um dia, em 2016, quando ouvimos um tiroteio que parecia, pelo som, estar muito perto. O barulho aumentou, eram cada vez mais tiros, e os professores começaram a gritar pedindo para que fôssemos para o banheiro nos proteger. Não tinha espaço para todos, um grupo de alunos se abrigou no pátio e se deitou no chão. O tiroteio durou 30 minutos. Ninguém se feriu, e as aulas daquele dia foram suspensas.

Tem uma poesia conhecida na favela que diz: 'Meu despertador é uma Glock com pente de 30', sobre um tipo de pistola. Essa é nossa realidade.

Em outra manhã, os professores avisaram que não teríamos aula porque traficantes entraram a escola na noite anterior para guardar armamentos. Perdi muitas aulas por causa da violência. Nossos professores eram heróis, estavam sempre alertas para nos proteger. Uma época, disseram que a favela estava em um momento com mais conflitos que o normal, e passamos a ter aulas só meio período. O ensino ficou comprometido, perdemos conteúdo.

Quando terminei o Ensino Médio, quis entrar para a Marinha e fui estudar em um curso preparatório. Lá, conheci o filho de um traficante que se tornou meu amigo. Ele falava sobre como era importante estar estudando. Passamos na prova da primeira fase da Marinha, mas ele parou de frequentar as aulas para a segunda fase. Sumiu. Alguns dias depois veio a notícia de que havia sido assassinado.

Esse episódio foi o fator gerador para eu começar o movimento Eu Vivo Favela com meu irmão, em 2016. Íamos nas escolas e fazíamos rodas de conversa com outros adolescentes. Falávamos sobre o direito que temos de estudar, sobre líderes como Martin Luther King e Nelson Mandela. Esses exemplos não chegam para nós, na favela. O poder é representado por grupos paralelos. Queríamos mostrar que há outros caminhos.

Depois disso, participei de um projeto da prefeitura do Rio chamado Rap - Rede de Adolescentes Promotores da Saúde. Tive capacitação e levava o que aprendia para os jovens do Palmeirinha. Fazia atividades, encontros, distribuía folhetos de campanhas de saúde e camisinhas.

Falava muito sobre sexualidade, como se prevenir de doenças, quando procurar uma unidade de saúde. Em 2017, por causa do Rap, participei de um evento no Ministério Público sobre violência contra jovens e fui convidada para fazer parte da assessoria de Direitos Humanos e Minorias do MP-RJ, onde hoje sou assistente administrativa. Também no MP, participo do Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro, uma ação em parceria com a Unicef.

Fiz minha primeira viagem internacional em dezembro, quando fui para a África do Sul em um encontro mundial do Unicef, representando o Brasil. Participei da formulação de um manifesto pelo fim da violência nas escolas e ao redor delas. Ajudei a escrever o texto junto com cerca de 120 adolescentes de diferentes nacionalidades.

O manifesto será apresentado a líderes mundiais que estarão, em janeiro de 2019, no Fórum Global pela Educação, em Londres. A ideia é que eles se comprometam a seguir as reivindicações que apresentamos, como criar leis para restringir uso de armas nas escolas e treinar professores para lidar com episódios de violência.

Na minha comunidade, o padrão é terminar o ensino médio, arrumar um emprego e formar uma família. Mas eu sempre fui incentivada pelos meus pais a estudar mais. Minha mãe dizia: 'Estude sempre, tenha sua própria voz, você pode ser muito mais do que todos aqui'. 

Corri riscos para ir à escola e em vários momentos pensei se deveria persistir. Mas tanto eu quanto meus pais acreditávamos que eu precisava estar lá, estudando. Hoje, ver o olhar de orgulho da minha mãe é ter certeza que minhas escolhas estão dando certo.