"Dá para ter orgasmos alucinantes sem estimular genitais", diz sexóloga
Mais do que ensinar as pessoas a fazerem sexo de maneira segura, no auge da epidemia da AIDS nos anos 1980, a norte-americana Barbara Carrellas estudou alternativas para que todo mundo pudesse experimentar o prazer intenso do orgasmo, com penetração ou não.
A partir dos seus estudos e experiências ela criou o Urban Tantra®, conceito que mescla a aura zen com aspectos do sadomasoquismo, e o vem difundindo pelo mundo há mais de duas décadas. Em novembro de 2016, ela recebeu o prêmio honorário Lifetime Achievement Award no Sexual Freedom Awards de Londres por suas contribuições para o campo da sexualidade ao longo dos anos. Artista performática e autora de vários livros, ela também oferece vários cursos na internet com temas que vão de massagem anal a masturbação feminina --prática que, aliás, ela afirma ser a chave para a vida sexual saudável.
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Barbara ensinou a celebridade trans Caitlyn Jenner e suas amigas a ter orgasmos "sem gênero" no seriado "I am Cait", exibido pelo canal E! (EUA) entre 2015 e 2016 e foi destaque no episódio "Orgasmos Incomuns" da série "Strange Sex" do Learning Channel. Ela também apareceu em inúmeros capítulos da série "Real Sex", da rede de televisão HBO. Aos 64 anos, ela mora em Nova York com a parceira Kate Bornstein, escritora, roteirista e autora de diversos estudos de gênero. Por e-mail, Barbara respondeu algumas perguntas de Universa e contou ter ficado muito feliz por ter sido citada, ao lado de nomes incríveis, na reportagem "Graças a essas 10 mulheres, você pode transar como transa hoje".
Por que você decidiu trabalhar com sexualidade?
Por causa da epidemia de AIDS, nos anos 1980. No auge da disseminação da doença, cheguei a perder quatro amigos em uma única semana. Resolvi buscar apoio emocional em um círculo de cura e conheci Joseph Kramer, fundador da Body Electric School e Sexological Bodywork, e Annie Sprinkle, atriz e diretora de pornografia feminista. Na época, a direita cristã na América dizia aos homens gays que a AIDS era o "castigo de Deus" por viverem uma vida "maligna". Nós procurávamos uma prática espiritual que incluísse as pessoas, em vez de condená-las, e um alento para lidar com a dor esmagadora de tanta morte e perda. E, principalmente, buscávamos um jeito de todos nós podermos transar com segurança, sem o risco de espalhar um vírus mortal. Joseph já havia começado a explorar a sexualidade taoísta, a massagem erótica e a respiração consciente. Annie e eu começamos a estudar o Tantra. O foco do Tantra nos aspectos energéticos do sexo poderia fazer com que as pessoas se sentissem tão bem, conectadas e satisfeitas, que era fácil fazê-las praticar o sexo seguro sem diminuir o prazer delas. Então, eu trabalhei para criar um tipo de prática tântrica que fosse simples, compreensível e eficaz para qualquer um. Com o passar dos anos, criei a minha marca particular Urban Tantra®.
É possível ter orgasmos sem estimulação direta na vagina ou no pênis?
Absolutamente! Eu ensinei milhares de pessoas ao redor do mundo a ter orgasmos de respiração e energia, os mais alucinantes em todos os sentidos da palavra. Eles quebram nossas noções preconcebidas de como sexo, prazer e corpos funcionam. Como sociedade, de modo geral, nós mal começamos a explorar o orgasmo e a descobrir de quantas maneiras mágicas podemos usá-lo para nossa cura e felicidade e para a saúde e a alegria dos outros. No meu site, há um vasto material sobre assunto disponível aos interessados. O que posso adiantar é que ensinei amigos com lesões na medula espinhal e mulheres que sofreram clitorectomia [remoção cirúrgica do clitóris] a recuperarem a capacidade de gozar. Tive orgasmos de respiração e energia sozinha, com parceiros e em grupos. As possibilidades são infinitas.
Em alguns dos seus workshops você combina o Tantra com o BDSM (sigla para Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). Não são práticas totalmente diferentes?
O sexo tântrico e o BDSM têm muito mais em comum do que parece, à primeira vista. As duas contam com uma ampla variedade de poderosas práticas consensuais. Ambos os rituais são sobre o aumento da energia erótica e envolvem dar e receber conscientemente. E, ainda, encorajam riscos físicos ou emocionais, a liberdade pessoal, a individualidade e a imaginação. Tanto o BDSM quanto o Tantra produzem intensas sensações eróticas que podem criar estados de excitação prolongados e estados alterados de consciência. Não é tanto sobre o que você está fazendo ou que acessórios quer usar, mas sobre como você faz o que faz. Qualquer coisa feita devagar, atentamente, com atenção dedicada e consentimento pode se transformar no BDSM Tântrico ou Dark Tantra, como costumo chamar. Muitas pessoas que amam BDSM odeiam a dor e não brincam com ela, preferindo os aspectos de troca de energia. Nos meus workshops, combinamos as práticas centradas no coração do Tantra com a troca consciente de poder do BDSM para descobrir novas formas de experimentar amor e confiança profundos.
Você diz em entrevistas que a mente é o órgão sexual mais poderoso do corpo. Por quê?
Tudo o que sentimos e percebemos é processado pelo cérebro. Além disso, tudo o que acreditamos ser possível ou não para nós, sexualmente falando, é simplesmente um pensamento criado no cérebro e imposto por ele. É por isso que passo a maior parte do meu tempo incentivando as pessoas a ampliar sua compreensão e suas crenças sobre o que é possível para elas eroticamente. Elas têm que se conscientizar de que existem possibilidades, mas que a permissão para vivê-las tem que vir delas mesmas.
Na sua opinião, por que tantas mulheres ainda lutam para atingir o orgasmo, mesmo em tempos de um discurso feminista?
Muitas vezes, as mulheres não têm informações suficientes sobre como seus corpos realmente funcionam. Outras acham que existe um caminho certo para gozar ou um tipo certo de orgasmo --assim, se o prazer que vivenciam não atende a esses critérios fictícios, elas ficam arrasadas. Minhas sugestões para grandes orgasmos são 1) relaxar, 2) liberar suas expectativas e suposições sobre o orgasmo, 3) aprender sobre sua anatomia, 4) comprar um vibrador 5) praticar, praticar, praticar --sozinha. Todas nós deveríamos receber uma educação sexual calcada nesses mandamentos.
A masturbação feminina ainda é um tabu em muitas culturas. Quão importante é se masturbar?
A masturbação é uma oportunidade única para uma mulher aprender o que a agrada sem a pressão de ter que agradar a qualquer outra pessoa. É o momento em que você pode expandir seu repertório sexual sem precisar se comunicar com mais ninguém. É também uma maneira maravilhosa de cultivar mais amor próprio e se fortalecer sexualmente.
Quais crenças as mulheres precisam se livrar para ter uma vida sexual mais prazerosa?
Certa vez, escrevi um boletim de "permissão sexual" para resolver essa questão. Quero compartilhar alguns trechos com vocês. Eu recomendo que as mulheres o colem no espelho do banheiro e digam em voz alta diariamente. É o seguinte:
Eu me dou permissão para falar sobre sexo. Eu me permito falar sobre sexo como um ato seguro, sensato e consensual que traz saúde e prazer para o mundo.
Eu me dou permissão para fazer perguntas, investigar e encontrar o significado de sexo para mim.
Eu me dou permissão para separar o sexo --temporariamente-- de todas as coisas que têm sido coladas, como amor, romance e relacionamentos. Quando eu descubro o que é sexo --para mim--, então posso fazer as combinações que são certas para mim.
Eu me dou permissão para fazer sexo.
Eu me dou permissão para não fazer sexo.
Eu me dou permissão para descobrir quais são minhas necessidades antes de fazer sexo, quando estou fazendo sexo e depois de fazer sexo --e para satisfazer essas necessidades.
Eu me dou permissão para assumir um risco --não um risco para a saúde, mas um risco emocional e até, às vezes, um risco físico. Eu me dou permissão para deixar minha alma ficar nua antes do meu corpo.
Eu me permito confiar em meus instintos --mesmo quando (e talvez especialmente quando) outras pessoas não gostem.
Eu me dou permissão para dizer não e não explicar por quê. Eu me dou permissão para dizer sim e não explicar por quê.
Eu me dou permissão para falar sobre sexo, mais uma vez.
Você acredita que a autoaceitação é o passo fundamental para o prazer feminino?
Embora seja uma opinião popular que você tenha que amar e aceitar a si mesma para ter prazer, acho que essa crença pode ser uma armadilha. Ideias como "eu não mereço prazer, porque não me amo o suficiente" ou "eu não posso ter prazer até me amar mais" não são verdade. O que eu acredito é que você pode usar o prazer como um caminho para o amor-próprio e a autoaceitação. O prazer não é algo que você precisa ganhar ou trabalhar para alcançar. Você merece prazer aqui e agora, só porque você existe. É seu direito.
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