Luto gestacional: mulheres contam como encaram a dor de perder um bebê
Uma mulher que deseja ser mãe já se sente uma quando descobre que está grávida. "Mãe é um estado irreversível", afirma a psicóloga Erica Quintans, mestre em luto, especialista em atender pessoas que passaram por grandes perdas. Portanto, mesmo quando ocorre aborto espontâneo ou há a necessidade de ser provocado --em casos em que a gravidez oferece risco à saúde da mãe e, portanto, é considerado lícito--, trata-se uma perda que deixa marcas profundas. "A mulher está perdendo um filho e não uma gestação", afirma o obstetra Rodrigo Rosa Filho, especialista em reprodução humana.
A analista financeira Juliana Schumacher Pádua, 36 anos, passou por isso. Ela perdeu seu bebê com 36 semanas de gestação, em agosto, devido a uma pré-eclâmpsia (hipertensão gestacional) que provocou o deslocamento prematuro da placenta. "Minha vida nunca mais será a mesma sem o Dudu", diz. Ainda em recuperação, Juliana fala que é muito difícil lidar com a perda e, quando ouve alguém dizer que 'logo terá outro bebê', a dor aumenta mais. "Meu filho nunca será substituído. Só quem vive isso tudo sabe o tamanho da dor", afirma.
Infelizmente, o luto gestacional nem sempre é acolhido da forma como deveria. "As pessoas não compreendem que o vínculo foi rompido. Para muitos, a perda de um ser que não nasceu não é reconhecida. Mas houve uma história ali. Consolar essa mãe dizendo que 'logo ela poderá ter outro' é muito cruel. Outro filho não a fará esquecer o que passou, porque não há substituição", explica Érica.
De acordo com a psicóloga Márcia Maria Coelho Rodrigues, mestre em Ciência da Saúde pela Universidade de São Paulo (USP), e que há dez anos dedica-se a estudar o tema, os momentos mais difíceis dessa experiência são: 1) receber a notícia de que o bebê está morto; 2) realizar a retirada do bebê sem vida; 3) sair da maternidade de braços vazios; 4) retornar para casa e não falar mais sobre a morte do bebê.
Para o obstetra, é muito importante que a paciente receba um atendimento humanizado, pois o momento é muito traumático. "Às vezes, o sofrimento é tão grande que a paciente pode ter medo de tentar de novo. E o medo passa ser mais forte do que o sonho da gestação", alerta.
Érica sugere que as mães busquem se fortalecer nesse momento. Um caminho pode ser buscar grupos de apoio com pessoas que passaram pela mesma situação: "É importante que elas compreendam que não estão exagerando e que a dor precisa ser respeitada. Se precisa falar sobre o assunto, deve demonstrar essa necessidade".
A jornalista Paula Skoretzky Calciolari, 43 anos, passou por essa dor duas vezes. A primeira, em 2010, quando foi diagnosticada na sexta semana com uma gestação ectópica, na trompa, que poderia ser rompida e colocar sua vida em risco: "Fiquei internada e acho que foi a noite mais triste da minha vida. Chorei baixinho pedindo perdão para o meu bebê, por ter que fazer aquilo com ele. Fiz uma cesárea para retirada da trompa esquerda, foi muito difícil carregar uma cicatriz de um filho que não nasceu".
Em 2015, Paula enfrentou novamente uma perda. Dessa vez, não foram detectados os batimentos cardíacos do bebê, na época, com oito semanas. E foi confirmado que não havia mais desenvolvimento do feto. "No dia seguinte, meu corpo se encarregou de começar o processo de aborto. Mais uma vez, dor, culpa e a dúvida: será que não vou conseguir ser mãe?", lembra. Mas, após três meses do segundo aborto, mesmo tendo apenas uma trompa, ela engravidou de gêmeos e, no início de 2016, eles nasceram saudáveis.
A necessidade do luto
A psicóloga Márcia Maria afirma que a vivência do luto pode ser muito diferente de uma pessoa para outra. Existem mulheres que o enfrentam, outras que preferem não entrar em contato com ele. "Não existe regra, mas cada uma deve respeitar os seus limites", complementa Érica.
Há três meses, Elisangela Maria de Jesus, 36 anos, soube que sua filha, Aylla, enrolou o cordão umbilical no pescoço e faleceu. Ela estava no sétimo mês de gestação e, desde o quinto mês, começou a apresentar hipertensão. "Estava controlando, mas não foi suficiente. Quando o médico disse que não estava ouvindo o batimento, minhas lágrimas começaram a cair", fala.
Para Elisangela, voltar para casa sem a bebê foi a parte mais dolorosa: "Olhar o quartinho e as roupas é difícil. Essa enorme ferida ainda está cicatrizando, tive muito apoio da família, mas é uma dor que ficará para sempre", diz ela. "Fica a saudade do que não viveu, e isso independe do tempo de gestação. Porém, quanto menos tempo, mais invalidado será esse luto", diz a psicóloga Érica.
A influencer Shantal Abreu, 29 anos, enfrentou uma perda com nove semanas, em 2017. Ela também teve uma gestação ectópica e, apesar do pouco tempo, ela e o marido estavam curtindo muito a chegada do bebê: "Contamos para a família e os amigos; o bebê já tinha ganhado até presente. Foi difícil para mim, mas foi mais doloroso para o meu marido, e o luto paterno é ainda menos reconhecido". Atualmente, Shantal está entrando no nono mês de gestação e se prepara para a chegada de seu filho. "No começo tive muito medo e, até ouvir o batimento cardíaco, não contamos para ninguém. Ficava pensando: 'Será que vou ter uma gravidez que não vai para frente de novo?'".
Ajuda bem-vinda!
O projeto Do Luto à Luta foi criado a partir da perda gestacional de Larissa Rocha Lupie e de sua irmã gêmea Clarissa, que perderam seus bebês no mesmo ano, em 2014. "Decidimos criar um espaço de escuta e acolhimento às famílias que vivenciam esse drama. O grupo realiza encontros presenciais mensais e gratuitos com especialistas em luto, para que os pais não se sintam solitários em sua dor.
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