Mães do feminicídio: elas contam como sobrevivem à dor de perder as filhas
Na hora de descrever o que sentem, elas são unânimes e afirmam que se trata de uma dor que nunca passa. "Já se foram oito anos, mas parece que aconteceu ontem. Sempre vai faltar um pedaço de mim, a gente sobrevive pelos outros filhos, pelos netos, pega na mão deles porque sabe que é preciso seguir em frente", diz Janete Nakashima, 60 anos, mãe de Mércia Nakashima (advogada morta pelo ex-namorado Mizael Bispo de Souza).
Segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2018), em 2017, houve 4.539 homicídios de mulheres, representando um aumento de 6,1% em relação ao ano anterior. Desse total, 1.133 foram registrados como feminicídios —que envolvem perseguição seguida de morte intencional de pessoas do sexo feminino.
Para Maíra Zapater, professora e pesquisadora em Direito Penal, Processual Penal e Direitos Humanos, as mulheres sempre foram um grupo vulnerável. "Por discriminação de gênero, elas sempre foram mortas. Mas hoje o fato incomoda. A discussão está mais presente do que há alguns anos", avalia.
A psicóloga Lívia Marques afirma que ainda estamos em um movimento de conscientização da sociedade, mas é preciso acabar com a "romantização" dessas violências: "Muitas mulheres ainda acreditam que um homem possessivo é um cuidador, que sente ciúme e quer protegê-la. No entanto, isso é machismo e pode tornar-se doentio".
Para as mães que ficam, lutar por justiça é uma necessidade. "Quando a gente fica sabendo, perde o chão. Causa uma revolta e um desespero. Vem uma adrenalina que dá vontade de explodir o mundo, parece que você precisa fazer alguma coisa para trazer sua filha de volta", lembra Ilda Cardoso, 52 anos, mãe de Mayara Amaral (musicista assassinada por Luís Alberto Bastos). Ela diz que, apesar do sofrimento, toda mãe precisa gritar e não se entregar às lamentações.
A lei coíbe o problema?
Segundo Maíra, os casos de feminicídio têm sido punidos e o resultado é a condenação. Para ela, o delito não é banalizado: "Mas apenas a punição não resolve. É preciso investir em uma educação para modificar essa mentalidade".
Marlene Carvalho Barcellos, 64 anos, mãe de Priscylla Borges Barcellos (assassinada pelo marido Luciano Costa Barbosa), teme pelo fim da pena do criminoso: "Tenho uma neta de 19 anos e me preocupo muito com ela, porque em algum momento ele vai sair da prisão. Terá cumprido sua pena que, em casos como esse, deveria ser perpétua".
A mãe de Mércia também afirma que sente medo. "Quando o monstro sair, eu e minha família voltaremos a ser reféns", diz Janete.
Segundo a advogada e socióloga Fernanda Emy Matsuda, professora na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Unifesp), a Lei Maria da Penha deu visibilidade ao problema. "A lei desafia uma situação que está cristalizada e que, para ser modificada, precisará de um trabalho em longo prazo. Com a lei, as mulheres puderam reconhecer a situação de violência e isso justifica o aumento das denúncias", considera.
Vítimas difamadas
Em muitos casos, há, ainda, uma difamação da vítima, o que mostra que o machismo impera. "Na época, ouvi que minha filha era fútil, morava sozinha, usava roupas insinuantes e dançava de forma sensual, fatos que também foram utilizados pelo advogado de defesa do réu, durante o julgamento", atesta Regina Jardim, 58 anos, mãe de Priscila Jardim (recepcionista morta pelo ex-namorado Alexandre Bittencourt de Oliveira e Souza).
Esse foi um dos motivos pelo qual ela sempre procurou falar publicamente sobre o problema: "Eu sofri com o retorno que a sociedade oferecia, fiz passeatas pela prisão do assassino, por Justiça, para criticar a falta de ética e imparcialidade e sangrei muito nessa fase".
A mãe de Mayara também precisou lidar com esse tipo de crítica: "Falaram que minha filha tocava na noite e era drogada. Quando soube que era da minha Mayara que estavam falando mal, fiquei louca! Isso me indignou, minha filha era linda, talentosa e estava apaixonada".
O peso da culpa
Não bastassem tantos desafios, as mães cujas filhas foram assassinadas costumam alimentar sentimento de culpa por não terem percebido a gravidade do problema ou por não terem feito uma intervenção preventiva. "Quando ocorreu, me cobrei muito. Me perguntava porque não havia percebido que havia algo errado. Teria mandado minha filha para o Japão para protegê-la", diz Janete.
A mãe de Priscylla comenta que sabia que o casamento da filha não ia bem, porém, nunca imaginou que o desfecho seria tão trágico. "Vi no jornaleiro a foto da Pri e a notícia, senti um desespero, chorava muito e morri nesse meio tempo", conta.
Para essas mulheres e para a sociedade, a psicóloga Adriana Nunan, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RJ, dá o recado: "Foi o criminoso quem fez uma escolha errada, a culpa é apenas de quem matou".
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