As histórias dessas 9 mulheres fizeram a diferença em 2018
As mulheres foram protagonistas em 2018. Nem sempre de histórias felizes ou de sucesso, é bem verdade. Ficaram marcados casos de violência, como o da advogada Tatiane Spitzner, que foi agredida pelo marido e morreu ao cair da varanda do quarto andar do apartamento em que vivia com ele. Assim como o da atriz Cristiane Machado, que também foi vítima de violência doméstica, mas conseguiu denunciar o marido à Justiça.
Ou mesmo o drama que a doméstica Bruna da Silva viveu, ao ter o filho de 14 anos mortos com um tiro pelas costas na favela da Maré, no Rio de Janeiro, durante uma ação policial.
Mas 2018 foi também ano de resistência. As jornalistas esportivas se reuniram para dizer não ao assédio e criaram o movimento #deixaelatrabalhar. Além disso, comportamentos discriminatórios foram denunciados, como a criança negra que sofreu preconceito ao brincar na piscina de um hotel de luxo.
Relembre com a Universa algumas histórias de mulheres que marcaram o ano:
Advogada negra é algemada durante audiência
A advogada Valéria dos Santos virou notícia após ter sido algemada e presa dentro de uma sala de audiência, no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ela discutiu com uma juíza leiga (que atua em juizados especiais e audiências de conciliação) sobre um processo e se recusou a sair da sala, pois esperava a chegada de um delegado da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). O episódio aconteceu em 10 de setembro.
A juíza, então, chamou a polícia. A advogada foi algemada e levada a uma delegacia. Só foi libertada quando o advogado da OAB chegou. Trechos da discussão foram filmados e rapidamente viralizaram. Nas imagens, Valéria aparece no chão, algemada. Surgiram críticas ao episódio e acusações de racismo. No fim, uma comissão judiciária concluiu que a juíza leiga Ethel Tavares de Vasconcelos não praticou abuso; a investigação concluiu que Valéria se "jogou no chão" e se "debatia".
A repercussão do caso, no entanto, gerou bons frutos para a advogada, que passou a ser chamada para fazer palestras e viu seu número de clientes crescer. Sua intenção, após o ocorrido, ela atuar mais pelos negros e pelas pessoas de classe social baixa.
Câmeras registram mulher agredida por marido e queda da varanda
O caso da advogada Tatiane Spitzner chocou o país por ter sido registrado, em grande parte, por câmeras de segurança. Ela morreu na madrugada de 22 de julho, ao cair do apartamento em que morava com o marido, o biólogo Luís Felipe Manvailer, no quarto andar de um prédio em Guarapuava, interior do Paraná.
Imagens das câmeras de segurança do prédio registraram a chegada do casal ao edifício, naquela madrugada, e repetidas agressões de Manvailer contra a mulher. Ainda no carro, ele deu dois tapas no rosto da mulher e a puxou pelo cabelo. Na garagem, chegou a chutá-la, caída no chão. No elevador, a segurou pelos braços e a jogou no chão quando ela tentava se desvencilhar.
Já no apartamento, de acordo com testemunhas, o casal discutiu e Tatiane Spitzner gritou por socorro. Passaram-se 15 minutos entre a chegada do casal ao prédio e a queda da advogada. Manvailer, acusado de feminicídio, desceu, pegou o corpo de Tatiane na calçada e o levou para o apartamento de volta. Depois, ele trocou de roupa e fugiu, mas acabou preso.
De acordo com familiares e amigos, Tatiane, de 29 anos, sofria com frequência diversos tipos de violência --inclusive sexual. Amigas revelaram que, na noite em que morreu, a advogada tinha dito: "Hoje vou ficar solteira".
Em depoimento, Manvailer, de 32 anos, negou ter jogado a esposa do apartamento -- disse que ela pulou da sacada. Mas laudo do IML (Instituto Médico-Legal) do Paraná, divulgado em setembro, confirmou que a causa da morte da advogada foi asfixia mecânica, e não a queda. O exame de necropsia aponta a ocorrência de esganadura, com feridas e sinais de luta. Ou seja, Tatiane morreu e, depois, foi jogada do edifício onde morava.
A morte da advogada acendeu um alerta sobre relacionamentos abusivos e mobilizou as redes sociais: nunca se falou tanto sobre a importância de se interferir em casos de violência doméstica.
PM se torna heroína ao impedir assalto em escola e vira deputada
Era véspera de Dia das Mães. Kátia Sastre, cabo da Polícia Militar, estava com a filha de 7 anos em frente à escola, junto de outros pais e outras crianças, aguardando a abertura do portão para a festinha que aconteceria naquela manhã. Um ladrão armado tentou assaltar o grupo. Kátia conseguiu sacar o revólver calibre 38 que levava na bolsa e disparou contra o bandido, matando-o.
As câmeras da escola registraram a cena, que viralizou e rapidamente transformou Kátia, de 42 anos, em heroína nacional. Com a fama, ela decidiu se filiar ao PR de São Paulo para disputar uma vaga como deputada federal. Ao longo da campanha, a constante exibição do vídeo em que aparece matando o assaltante foi motivo de polêmica e lhe rendeu um processo por parte da mãe do jovem.
O uso das imagens acabou sendo liberado pela Justiça, e Kátia foi eleita com 264 mil votos, a sétima mais votada do estado. Em campanha ela defendeu o armamento da população, dizendo que "quem é de bem não sai matando a rodo".
Ano de altos e baixos para uma das poucas CEOs negras do Brasil
O anúncio de que Rachel Maia assumiria, no início de novembro, o cargo de diretora executiva da Lacoste brasileira veio depois de um ano com altos e baixos para a executiva. Uma das poucas CEOs negras no país, Rachel, de 47 anos, tem origem humilde. É a caçula de sete irmãos e foi criada na região de Cidade Dutra, zona sul de São Paulo.
Hoje, no entanto, é uma das 40 mulheres mais poderosas do Brasil, segundo a revista Forbes, com experiência no comando de redes de luxo. Passou pela Tiffany --liderou a chegada da marca ao país-- e pela Pandora, onde atuou de 2010 até abril deste ano, quando seu cargo foi extinto pela joalheria. A executiva havia sido contratada com a missão de expandir as lojas no país: aumentou os pontos de venda de dois para 98.
Agora, na Lacoste, responde pela marca que tem uma rede de distribuição de 54 lojas, 11 outlets, 6 lojas Duty Free e cerca de 850 multimarcas.
Criança negra sofre discriminação em hotel de luxo
A pequena Ava, 4, nadava na piscina do Hotel Fasano Boa Vista, em Porto Feliz (SP), em um dia ensolarado de setembro. Ela e a irmã, Valentina, 11 anos, haviam sido convidadas por uma amiga da mãe, que tem casa no mesmo condomínio em que fica o hotel de luxo, para passarem o dia lá.
Ava foi adotada no Malaui e tem a pele negra bem escura. Disposta a fazer amigos, aproximou-se de outras crianças na piscina, e foi imediatamente rejeitada. "Você não está vendo que eu estou aqui?", disse uma delas, afastando-a com uma boia-espaguete.
Luzinete da Silva Leandro, 41, que trabalha como babá das meninas, também negra, entendeu na hora do que se tratava. Pediu para que Ava saísse da piscina. Fez comentários em voz alta sobre o ocorrido, na esperança de que as mães das crianças pudessem repreendê-las. Mas aconteceu o oposto. Passaram a insinuar que Ava tinha "micose" ou alguma outra "doença contagiosa", referindo-se a ela como "esse tipo de gente". Pouco tempo depois, as mulheres se afastaram do local com as crianças.
Na hora do episódio, ninguém teve a frieza de fazer uma denúncia formal ou mesmo de chamar a polícia -- afinal, racismo é crime. Mais tarde, o Grupo Fasano lamentou o ocorrido por meio de nota oficial, dizendo que repudia qualquer ato de discriminação.
Atriz Cristiane Machado filma agressões do marido e o denuncia
Foram oito meses entre namoro e um casamento de sonho. A atriz Cristiane Machado, 35, achou que tinha encontrado o amor de sua vida, mas o conto de fadas foi interrompido pela agressividade do marido, o empresário e ex-diplomata Sérgio Thompson-Flores, 59. Começou com um empurrão e evoluiu para socos, chutes e até uma tentativa de enforcar a atriz com um fio de carregar celular.
Cristiane denunciou o marido, mas depois decidiu perdoá-lo. Segundo ela, ele se ajoelhou, assumiu seus erros e disse que mudaria. No entanto, a agressividade voltou e só crescia.
Com medo de morrer, decidiu, então, instalar câmeras escondidas no quarto do casal --que registraram as cenas de violência contra ela. Levou as imagens à polícia e fez nova denúncia contra o marido, que, a princípio, fugiu. Em 25 de novembro, ele se entregou à polícia. Está preso. A atriz se prepara para contar seu drama em um livro para alertar outras mulheres.
Presa por tráfico, mulher é esterilizada após decisão da Justiça
Em junho deste ano, a esterilização de uma mãe de oito filhos, em Mococa, interior de São Paulo, causou polêmica e virou alvo de investigação e troca de acusações entre órgãos públicos. Janaina Aparecida Quirino, 36 anos, presa por tráfico de drogas já tinha sete filhos e, quando o oitavo nasceu, em fevereiro, foi submetida a uma laqueadura.
A iniciativa partiu da Promotoria, que abriu processo para que o procedimento fosse realizado --o que aconteceu após decisão judicial de primeira instância.
A Defensoria diz que a mulher não foi ouvida no processo e que houve ilegalidade. O procedimento também foi contestado pela prefeitura local e por decisão em segunda instância do Tribunal de Justiça.
O juiz do caso afirma que a mãe consentiu. Mas a proibição, depois, veio sob argumento de que "a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade". No entanto, já era tarde demais.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Mococa, depois, afirmou que Janaina estava ciente do procedimento a que seria submetida, consentiu de forma voluntária e não está arrependida.
De qualquer forma, para a Defensoria, não poderia haver processo do tipo por iniciativa do Ministério Público, ainda que sob concordância da mulher -- uma vez que procedimentos relacionados a planejamento familiar são de livre decisão de homens e mulheres e a iniciativa teria, portanto, que partir dela.
Repórter beijada à força na Copa exige respeito
A repórter Júlia Guimarães, da Globo, foi vítima de assédio enquanto trabalhava antes do jogo entre Japão e Senegal, na Copa do Mundo da Rússia. Um torcedor se aproximou dela e tentou beijá-la à força. Ela se esquivou e na mesma hora reagiu: "Nunca mais faça isso. Nunca mais faça isso com uma mulher. Eu não permiti que você fizesse isso. Respeito".
"É a segunda vez que isso acontece comigo aqui na Rússia. Eu nunca passei por isso no Brasil, mas que fique bem claro que é por sorte mesmo, porque acontece muito no Brasil, já vimos várias vezes com colegas da imprensa. Estou vivendo isso muito aqui na Rússia, desde olhares agressivos até cantadas em russo, que obviamente eu não entendo, mas sinto. É horrível. Eu me sinto indefesa, vulnerável. Desta vez eu dei uma resposta, mas é triste, as pessoas não entendem. Eu queria entender por que a pessoa acha que tem direito de fazer isso" disse Julia.
As jornalistas esportivas brasileiras já haviam lançado, em maio, o manifesto #deixaelatrabalhar contra a violência frequentemente sofrida por elas nos estádios, contra beijos à força, assédio e xingamentos.
Mãe do menino Marcos Vinícius, morto na Maré, pede Justiça
"Ele não viu que eu estava com roupa de escola, mãe?" A frase foi uma das últimas ditas por Marcos Vinícius da Silva, 14 anos, baleado durante uma operação policial no Complexo da Maré, em junho. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital. Antes, contou à mãe, a empregada doméstica Bruna da Silva, 36 anos, que sabia de onde o tiro tinha vindo: de um blindado da polícia.
Marcos Vinícius estava indo para a escola, quando foi atingido pelas costas num tiro que entrou pelo lado esquerdo da região lombar e saiu na altura do peito.
Bruna guardou a camisa branca que o filho vestia, do uniforme escolar da rede municipal do Rio. "É daqui que eu vou tirar a força. Esse aqui é meu símbolo de resistência contra esse Estado que mata os nossos filhos", afirmou em entrevista à "Folha de S.Paulo".
Fotos montadas com o rosto do menino empunhando uma arma circularam pelas redes até a Justiça do Rio determinar a retirada do conteúdo falso do ar. A Polícia Civil confirmou que Marcos não tinha antecedentes criminais.
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