Mulheres no poder: elas se destacaram na política em 2018
2018 foi o ano em que a vereadora Marielle Franco foi assassinada. O crime, apesar de permanecer sem resposta, incentivou uma nova geração de mulheres a se envolverem com a política, seja concorrendo a cargos como participando de movimentos sociais. Muitos candidatos também escolheram mulheres para o posto de vice.
Numa eleição marcada pelo embate entre esquerda e direita, há nomes que representam o feminismo e as questões de gênero, como Sâmia Bomfim, eleita como deputada federal, e Erica Malunguinho, a primeira trans a ganhar uma vaga na Assembleia de São Paulo.
Entre as conservadoras, foram eleitas Janaina Paschoal como deputada estadual e a polêmica Joice Hasselmann como federal. Além disso, o presidente eleito Jair Bolsonaro já indicou a evangélica Damares Alves como ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Relembre o que de mais marcante aconteceu na política em 2018 e veja o que esperar da participação feminina em 2019.
Janaina Paschoal, a mais votada
A advogada Janaina Paschoal ficou conhecida por ser uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na última eleição, tornou-se a deputada estadual mais votada da História, pelo PSL, com 2.060.786 de votos.
Chegou a ser cotada para ocupar a vaga de vice do presidente eleito Jair Bolsonaro, mas declinou do convite. Agora, pode disputar a presidência da Assembleia Legislativa, contando com a maior bancada da Casa, com 15 cadeiras. Mas diz que ainda não sabe se entrará na briga.
Religiosa, Janaina tem colocações contundentes e desperta extremos: há aqueles que a amam e os que a detestam. Mas afirma ser contra "pensamento único" e já disse que teme que o grupo de Bolsonaro se torne um "PT ao contrário".
Afirma, no entanto, que o novo presidente foi mal interpretado quando disse que queria acabar com todos os ativismos. Segundo ela, todo ativismo, do rural ao feminista, "acaba se tornando cruel" se virar "a única lente, e tenho a sensação de que é disso que ele está falando". Mas afirma que será contra o presidente caso ele decida retirar conquistas da comunidade LGBT.
Tabata Amaral, a prodígio
Nascida na periferia de São Paulo, Tabata Amaral foi a sexta deputada federal mais votada do estado e se elegeu pelo PDT. Aos 24 anos, ela sonha em conseguir mudar a educação no país, por meio da melhora da gestão pública.
Filha de uma diarista e de um cobrador de ônibus, coleciona desdes os 12 anos medalhas em concursos de matemática, física, química, informática, astronomia, robótica e linguística. Seu desempenho chamou a atenção de uma escola particular de São Paulo, que ofereceu a ela bolsa para cursar o ensino médio. Acabou aceita em Harvard, uma das melhores universidades do mundo, onde se formou em astrofísica e ciências políticas.
É fundadora da organização não governamental Mapa Educação e faz parte do Acredito, movimento que forma novas lideranças políticas.
Agora, Tabata quer fazer parte da comissão de educação da Câmara e promete iniciar o mandato tratando de três temas: os financiamentos do Fundeb, a carreira do professor e a reforma do ensino médio.
Marielle Franco, inspiração feminista
"Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe", questionou a vereadora do PSOL Marielle Franco em seu Twitter, um dia antes de ser assassinada aos 38 anos, no dia 14 de março, no Estácio, zona norte do Rio. Ela e o motorista do carro, Anderson Gomes, foram baleados. A assessora da vereadora que também estava no veículo, sobreviveu.
Nascida e criada no complexo de favelas da Maré, uma das regiões mais violentas da cidade, Marielle era socióloga e mestre em Administração Pública. Havia sido a quinta vereadora mais votada do Rio, com 46.502 votos e sua campanha foi baseada na tríade gênero, raça e cidade. Negra e lésbica, defendia causas ligadas aos direitos humanos. Era contra a intervenção federal no Rio, o que chegou a definir como "farsa".
A resposta para quem matou Marielle e Anderson até hoje não foi dada pela polícia. A principal linha de investigação continua apontando para o vereador Marcello Siciliano (PHS) como mandante do crime, por supostas desavenças com Marielle --o que ele nega desde o início.
O engajamento da vereadora, no entanto, rendeu frutos. Além de ser exemplo para tantas mulheres que decidiram participar mais ativamente da política, inclusive disputando a eleição deste ano, ela também inspirou três assessoras, que se elegeram deputadas estaduais.
Michelle Bolsonaro, a primeira-dama
Tradutora de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para surdos, Michelle Bolsonaro, a futura primeira-dama, afirmou que quer trabalhar com deficientes e com a população carente no sertão. "Quero fazer a diferença. Tenho muito amor para lutar pelo que eu acredito", afirmou ela, que já disse querer fazer todos os trabalhos sociais possíveis.
Casada com o futuro presidente desde 2013, Michelle fez questão de negar publicamente que o marido seja seja homofóbico, racista ou misógino. "Ele é tachado como fascista, homofóbico, e nós temos amigos gays. Eu tenho um primo gay."
A futura primeira-dama nasceu em Ceilândia (Distrito Federal) e conheceu o então deputado Bolsonaro quando era secretária parlamentar na Câmara. Chegou a integrar o gabinete do marido, onde quase triplicou seu salário, e foi exonerada em 2008, após o Supremo Tribunal Federal proibir o nepotismo nos três Poderes.
O casal faz aniversário com diferença de apenas um dia (21 e 22 de março), mas tem 27 anos de diferença -ele tem 63 e ela, 36. Os dois têm uma filha, Laura, 8 anos.
Conhecida por ser recatada e evangélica, Michelle virou notícia por ter pedido que obras sacras fossem retiradas do Palácio do Alvorada, onde a família do presidente eleito deve viver. Bolsonaro negou a informação, que havia sido confirmada por funcionários do Palácio do Planalto e pelo vice-presidente eleito, Hamilton Mourão.
O nome de Michelle também ganhou o noticiário depois que ela recebeu R$ 24 mil pagos em cheque pelo ex-assessor parlamentar Fabrício José Carlos de Queiroz. Segundo Bolsonaro, o dinheiro é referente ao pagamento de um empréstimo.
A hora das vices: Manuela, Guajajara, Ana Amélia, Kátia Abreu
A eleição de 2018 foi a primeira em que as candidaturas femininas tiveram uma cota de recursos para campanha do fundo eleitoral, o que levou o número de mulheres candidatas a vice crescer.
Foram quatro candidatas a vice-presidente, em 13 chapas, ou 30,7%: Manuela D'Ávila (vice de Fernando Haddad), Sônia Guajajara (vice de Guilherme Boulos), Ana Amélia Lemos (vice de Geraldo Alckmin) e Kátia Abreu (vice de Ciro Gomes). Em 2014, foram 3 em 11 (27,2%) e, em 2010, apenas 1 em 9 (11,1%).
Ao todo, 67 mulheres foram candidatas a vice-governadora nas eleições deste ano, o equivalente a 37,6% do total. Em 2014, eram 27,7%, e em 2010, 19,5%.
O TSE estipulou que aplicação de pelo menos 30% em candidaturas femininas era condição obrigatória para a liberação do fundo eleitoral. A distribuição do dinheiro, no entanto, ficava a cargo dos partidos.
A novidade, no entanto, levou ao debate eleitoral novas discussões, incluindo questões de gênero e feminismo.
Joênia, a primeira índia
A roraimense Joênia Wapichana (Rede), 43 anos, foi eleita a primeira mulher indígena para um cargo de deputada federal no país, com 8.491 votos. Ela ocupará uma das oito cadeiras reservadas ao estado na Câmara dos Deputados. Até então, apenas um indígena havia chega à Câmara: Mário Juruna, pelo PDT, em 1982.
Primeira mulher brasileira de origem indígena formada em direito, foi a primeira indígena do Brasil a exercer a profissão de advogada. Ela se formou em Direito na Universidade Federal de Roraima, em 1997, e na University of Arizona, nos Estados Unidos. Joênia entrou para a política para se dedicar à defesa das causas dos povos indígenas - entre elas, a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
Nos últimos dos anos, o governo de Michel Temer acabou com mais de 300 cargos da Funai e atrasou as demarcações de terra --já criticadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro.
Erica Malunguinho, a primeira trans
Erica Malunguinho da Silva foi eleita pelo PSOL a primeira deputada estadual trans de São Paulo e a terceira mulher negra a entrar na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Desde o ensino médio enfrentava o racismo e a homofobia, mas aos 19 anos decidiu trocar Pernambuco por São Paulo. Diz que queria conseguir sua "emancipação identitária" e "resolver a questão negra".
Mestra em estética e história da arte pela USP, é ativista, educadora e artista. Criou na cidade o Aparelha Luzia, um quilombo urbano, espaço que incentiva produções artísticas e intelectuais. Ela também atua na área de educação, voltada para a capacitação professores da rede pública e privada.
O foco das propostas de Erica é a população negra, feminina e LGBT. Quer combater o racismo, trabalhar em prol dos direitos estruturais da população trans e desenvolver mecanismos para a inclusão no mercado de trabalho. Planeja, ainda, apoiar iniciativas de amparo a moradores de ruas e programas habitacionais. Defende também o acolhimento em hospitais e delegacias de mulheres vítimas de violência.
A trans Erika Hilton também foi eleita, por meio da candidatura coletiva Bancada Ativista. Negra, estudante de gerontologia na Universidade Federal de São Carlos, ela se apresenta como uma mulher transvestigênere.
Outras sete mulheres trans e travestis concorreram aos cargos de deputada estadual e federal, mas não foram eleitas.
Ludmilla Teixeira: mulheres unidas
Quando criou no Facebook o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, em 30 de agosto, a publicitária baiana Ludimilla Teixeira não esperava que ele fosse crescer tanto e tão rapidamente: hoje a página conta com quase 2,5 milhões de pessoas.
"Pesquisei se havia algum grupo com esse tema, e que representasse as mulheres especificamente, não achei. Queria que ficasse claro que estávamos descontentes", disse.
A repercussão foi imediata. Na mesma medida em que o grupo rapidamente viralizou, xingamentos, acusações e ameaças começaram a surgir aos montes contra Ludimilla e outras participantes do grupo, que impulsionou a hashtag #elenão e ajudou na mobilização de manifestações que ocorreram em todo o país contra o então candidato à Presidência.
Gabriela Hardt, a juíza da Lava Jato
Com o afastamento de Sérgio Moro --que será ministro da Justiça e Segurança Pública-- dos processos da Lava Jato, a vaga foi ocupada temporariamente pela juíza Gabriela Hardt, 42 anos, substituta da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná.
Formada em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná, Gabriela prestou concurso para a Justiça Federal em 2007 e foi nomeada juíza em 2009. Mas só em 2014 foi nomeada juíza substituta na 13ª vara federal. A juíza é atleta, começou a nadar ainda jovem e atualmente compete em provas de maratonas aquáticas.
É vista como feminista e mulher de fibra. Já chegou a dizer que as diferenças entre homens e mulheres na Justiça Federal são gritantes. Manifestou publicamente, no Facebook, sua admiração pelo trabalho de Moro. Em 2014, pouco depois do começo da Lava Jato, disse que "a retidão e a dedicação" do juiz a inspiravam.
Por advogados, Gabriela é conhecida como discreta, firme, comprometida, estudiosa e sempre atenciosa com as partes, além de imparcial.
Na Operação Lava Jato, uma das decisões de maior repercussão tomadas pela juíza foi ordenar a execução da pena do ex-ministro José Dirceu, em maio. Na ocasião, a magistrada afirmou que o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância era necessário para evitar "processos sem fim" e a "impunidade de sérias condutas criminais".
O substituto definitivo de Moro ainda não está definido. Haverá um concurso para a escolha do novo titular.
Damares Alves, a ministra das mulheres
A indicação pelo presidente eleito Jair Bolsonaro de Damares Alves como ministra da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos causou polêmica. Pastora e advogada, ela foi assessora parlamentar do senador Magno Malta, figura forte da bancada evangélica.
Damares foi bastante atacada por já ter se manifestado contra o aborto, por ter criticado a ideologia de gênero e também por dizer que a mulher "nasce para ser mãe". Também defendeu o que ficou conhecido como "bolsa estupro", projeto que sugere o pagamento de uma bolsa à mulher que sofreu o estupro e decidiu manter a gravidez. A bolsa deverá ser paga pelo estuprador.
Aos poucos, no entanto, a futura ministra vem adaptando seu discurso. Já afirmou que quer fazer "um governo de paz entre o movimento conservador, o movimento LGBT e os demais movimentos".
No último dia 18, Damares revelou, em entrevista ao Universa, a série de estupros dos quais foi vítima quando era criança. "O primeiro abusador foi às vias de fato. Fui estuprada por dois anos. Ele dizia que eu era 'enxerida', que a culpa era minha e que, se falasse, meu pai morreria", diz a pastora sergipana. O segundo, que a machucou quatro vezes, em uma delas, ejaculou em seu rosto. "Falar sobre isso me dói. Me expor custa demais. Mas entendo que preciso passar a mensagem de que sobrevivi."
Joice Hasselmann, Bolsonaro de saias
A jornalista Joice Hasselmann (PSL) é a deputada federal eleita com maior número de votos da história do país (1 milhão). Ela afirma que tem alma parecida à do futuro presidente e que quer ser "o Bolsonaro de saias".
Já disse muitas vezes que tem horror ao feminismo --"Gente chata pra caramba. [Mulher] arrancando blusa pra colocar peito na rua, que isso?"-- e que não tem projetos dedicados às mulheres.
Na lista de desafetos, que já foi de Lula a Alexandre Frota, ela destaca agora Gleisi Hoffman (PT), eleita deputada federal. "Já avisei a bancada que ela é da minha cota pessoal. Ela vai ser um boneco de ventríloquo do Lula e qualquer um que faça isso vai contar com a minha energia de oposição. Para esse tipo de enfrentamento tem que ser mulher, senão dá problema, como o que aconteceu com Bolsonaro quando ele teve aquele enfrentamento com a Maria do Rosário [o presidente eleito disse que não estuprava a deputada porque ela não merecia]. De mulher para mulher é diferente. Tudo que ela precisa ouvir eu vou dizer", afirmou, em entrevista ao Universa.
O Sindicato dos Jornalistas do Paraná chegou a banir Joice após 23 profissionais afirmarem que ela copiou dezenas de reportagens, o que ela nega. Além disso, é acusada de disseminar fake news.
Evangélica, diz que vai "compor a bancada do bem" na Câmara. "E a outra é a do mal, que vai tentar atrapalhar o Brasil."
Sâmia Bomfim, feminismo na Câmara
Aos 27 anos, em 2016, Sâmia Bomfim se tornou a mais jovem vereadora da história da Câmara Municipal de São Paulo. Eleita pelo PSOL, ela apresentava propostas feministas e recebeu apoio de mulheres como a nadadora Joanna Maranhão e a atriz Maria Casadevall.
Neste ano, elegeu-se deputada federal, com cerca de 250 mil votos, e promete enfrentamento em seu mandato --frentes parlamentares conservadoras, cujos deputados costumam se posicionar contrariamente a pautas feministas, têm ampla base na atual legislatura. Na Câmara, a bancada da bala conta com 270 deputados e evangélica, tem 150.
"[A eleição de feministas] não significa só que vão ter mulheres debatendo temas feministas, mas que vai haver uma postura de não abaixar a cabeça", afirmou ela, que credita sua eleição ao fortalecimento dos movimentos de rua em defesa das questões de gênero e à vontade do brasileiro de eleger mulheres que representem um contraponto ao presidente eleito Jair Bolsonaro.
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