Ela tem marido e 2 filhos com deficiência auditiva: "Não adianta discurso"
Nicole, de 9 anos, tem deficiência auditiva. O irmão, Miguel, de 6, também. Além de autismo. O pai das crianças, Pedro, de 36, completa o time: descobriu ser deficiente auditivo aos 7 anos e ele foi perdendo a audição com o tempo e fez um implante coclear. Caroline Bonfim, 33, não tem deficiência, mas é ela quem segura as pontas quando seu entorno está incapacitado de compreender as necessidades especiais do outro. Ela, com a família -- que não se comunica por Libras (Língua Brasileira de Sinais) -- assistiu ao discurso de Michelle Bolsonaro no dia da posse do presidente e marido, Jair. Achou louvável, mas observa: "as pessoas só enxergam a deficiência se ela estiver aparente. Não é todo surdo que fala em Libras". Ela conta à Universa sua história.
"Os olhos do meu caçula são bem verdes. Já ouvi que 'nem parece que ele tem autismo' por causa da aparência. Percebem apenas a sua surdez quando enxergam o aparelho auditivo.
Gasto muito com as baterias do aparelho que ele usa e estamos desempregados. Tentei o benefício de um salário mínimo mensal, para ajudar com os custos, no INSS, e ouvimos: 'Mas esse menino bonito, de olho claro, não está precisando'. No fim, foi indeferido por termos uma renda considerada inadequada para recebermos o montante. Moramos com meus pais, que são aposentados.
Achei louvável o gesto da Michelle Bolsonaro de falar em Libras, afirmando que vai olhar mais para as pessoas com deficiência, mas o problema é que só enxergam a necessidade especial se ela estiver visível na pessoa. Não é todo surdo, por exemplo, que fala em Libras. Assim como nem todo deficiente auditivo é mudo, como ainda se pensa.
Não adianta fazer um discurso bonito em Libras se não tiverem um olhar mais humano para este público.
Os médicos falam que a deficiência dos meus filhos é genética. Meu marido foi perdendo a audição com o passar dos anos. Ele foi diagnosticado com perda neurossensorial bilateral profunda na infância e, aos 32, fez o implante coclear, que é um dispositivo eletrônico.
A geração dele pecou muito na inclusão nas escolas. E ainda erra. Ele é advogado e tem dificuldade para acompanhar as audiências. As pessoas não fazem um esforço para falar pausadamente, de forma clara. Algumas berram. Não precisa. Quando ele estava na faculdade, e antes do implante, pedia para os professores não ficarem de costas, para assim poder ler o lábio deles. Achavam que era frescura, e não atendiam. Ele trancou os estudos por um ano, criou um bloqueio muito grande, se afastou.
Quando ele faz prova para concurso público, mandam tirar o aparelho auditivo, mesmo informando ser surdo. E vamos combinar: é um implante.
Com as crianças, é menos complicado. A Nicole começou a usar aparelho auditivo aos 5 anos. Ela tem perda neurossensorial bilateral moderada, que atinge a estrutura interna da orelha. Perdeu 45% da audição. Mas acha legal usar aparelho, porque fica igual ao pai. E ainda coloca umas coisas coloridas, para enfeitar.
Miguel começou a usar aparelho auditivo com a mesma idade. Foram os professores que me alertaram sobre a dificuldade dele em escutar. E isso foi importante, porque ele tem autismo também, então estavam bem atentos.
Eles hoje estudam numa escola que usa um método lúdico de ensino. Lá, os professores atuam fora da sala de aula e com um olhar mais acolhedor para alunos com deficiência. Miguel foi para o primeiro ano e Nicole está no quarto. Ela veio de um método tradicional de ensino e posso garantir que as escolas hoje estão longe de ter esse olhar. Várias vezes Nicole chegava em casa irritada porque não entendia o exercício e achava que não estava aprendendo nada.
Passei o ano todo em reunião com os professores. Era eu que ensinava a escola a melhor forma de lidar com ela. Eu tive que explicar desde a função do aparelho auditivo até o jeito de falar com ela. Isso numa escola em que a mensalidade era cara.
Com o Miguel, a dificuldade maior foi encontrar profissionais que ajudassem no diagnóstico, por ser autista. Na primeira vez em que tentamos fazer o exame de audiometria, ele não entendia o que tinha que ser feito e é um exame em que a pessoa fica dentro de uma cabine acústica. A fonoaudióloga não sabia lidar. Passamos uma manhã inteira e tentamos por três vezes. Não conseguimos. Ele tem o mesmo diagnóstico da Nicole, e perdeu 55% da audição.
Estamos preparados caso percam a audição por completo, como meu marido. Estamos acompanhando. É um processo caro e contamos com a ajuda e compreensão da família e médicos.
Os aparelhos dos meus filhos consomem três pares de baterias por semana. Gasto com eles cerca de R$ 240 mensais. Para a bateria do aparelho do meu marido, desembolsamos R$ 45 por semana.
Pensamos em estudar Libras para facilitar a comunicação com o Miguel, porque ele ainda não fala, mas a fono achou desnecessário por ora. Estamos esperando ele desenvolver mais. Torcemos para ele não precisar de uma escola para surdos, porque no Rio de Janeiro só tem uma, o Ines (Instituto Nacional da Educação de Surdos).
Meus dias são em função deles. É tudo cronometrado para terapias, fonos, médicos. Minha vida sempre fica para escanteio. É muito exaustivo. Meus filhos têm necessidades de toda criança, além das especiais.
Com relação ao meu marido, fico mexida e triste pelas frustrações que ele sente. Tento de todas as formas olhar mais para ele, para não se abater. Somos uma família com limitações, porém agitada. E vamos levando."
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