Blackfishing: influenciadoras estão tentando se passar por negras? Entenda
Bianca Andrade, a influenciadora por trás do blog de beleza "Boca Rosa", publicou uma imagem em que aparecia com os cabelos crespos, com a pele bronzeada e brincos dourados. "A liberdade de ser mil Biancas numa só", escreveu ela na legenda da imagem. Logo a blogueira começou a receber críticas por estar supostamente fazendo "blackfishing", termo que ganhou popularidade no exterior e que caracteriza quando uma pessoa simula a estética negra para conquistar marcas e seguidores sedentos por referências afro.
"A gente antes falava muito sobre fazer o 'black face' e a apropriação cultural. É um termo novo para designar uma coisa que a gente já estava percebendo quando surgiram denúncias de influenciadoras que estão tentando se passar por negras visando esse nicho de mercado, ligado à estética negra, que está crescendo", fala à Universa a arquiteta, escritora e militante negra Stephanie Ribeiro, 25, de Araraquara (SP).
Nos Estados Unidos, o termo "blackfishing" já estava na boca dos críticos de Kim Kardashian e sua família, que são acusados de se apropriar da cultura negra. "É muito simbólico sobre como elas não são mulheres negras, mas estão sempre trabalhando em procedimentos estéticos para engrossar os lábios e aumentar os glúteos e em bronzeamento artificial para se escurecerem", comenta Stephanie. "É um interesse muito problemático porque ela se tornou uma representação do ideal de beleza negra".
No Brasil, o termo está ganhando destaque nos últimos meses. Em 2017, as buscas no Google por cabelo cacheado superou, pela primeira vez, as pesquisas por cabelos lisos no Brasil, enquanto o interesse por cabelo afro havia crescido mais de 300% desde 2015. Segundo Stephanie, este aumento de popularidade, não limitada ao Brasil, por uma estética muito ligada à população negra e que, por muito tempo, foi marginalizada teria chamado a atenção de pessoas que não são necessariamente negras, mas que gostariam de explorar a popularização deste nicho.
Propositalmente ou não, influenciadoras como Bianca e a sueca Emma Hallberg não precisam se identificar como negras, mas adotaram as tranças tipo box braids, passaram por bronzeamento artificial e optaram por looks mais ligados à cultura hip hop para continuar ganhando notoriedade nas redes sociais. "Elas começaram a achar interessante ser uma mulher negra, mesmo não sendo uma. Isso dentro do mercado. Assumir essa estética para conseguir likes", explica Stephanie.
Neste movimento, essas influenciadoras poderiam estar roubando contratos de patrocínio e parceria com marcas de mulheres que são realmente negras. "Parece que as pessoas brancas vão fazer de tudo para impedir que a gente ocupe os espaços, inclusive os nossos", complementa a militante.
A reportagem da Universa entrou em contato com Bianca Andrade para falar sobre o caso, mas a influenciadora respondeu que "este assunto já está encerrado" e não quis dar entrevista.
Blackfishing x black face
Junto com o crescimento da militância negra, começamos a ouvir cada vez mais o termo "black face". No século 19, pessoas negras não podiam participar de peças de teatro. Por isso, atores brancos pintavam o rosto de preto com carvão e pintavam os lábios de vermelho para interpretar personagens que eram uma caricatura da população negra.
A diferença entre o "black face" e o "blackfishing" é que o primeiro é uma forma de zombar das características afro, enquanto a segunda é conseguir emular a estética a ponto de se passar por uma pessoa negra. Ainda assim, militantes acreditam que ambos os movimentos são dolorosos para as mulheres negras.
"Parece que é uma piada. 'Acordei, não estou feliz com a minha estética, por que não viro uma mulher negra?' Eu não posso fazer isso, não existe essa a possibilidade para mim", diz Stephanie.
Isto porque muita gente ainda vê o cabelo crespo como feio e sujo. "Tivemos todo um trabalho para nos acharmos bonitas. Criamos uma união. Aí algumas meninas brancas sentem uma carência, mas elas não entendem que essa é uma reação a uma lógica racista. Se não houvesse racismo, nós não teríamos que nos unir", termina a escritora.
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