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Luto paterno: a dor do homem perder um filho cedo nem sempre é respeitada

Pais relatam o que fazem para superar a dor - iStockphoto/Getty Images
Pais relatam o que fazem para superar a dor Imagem: iStockphoto/Getty Images

Carolina Prado e Simone Cunha

Colaboração para Universa

13/01/2019 04h00

Diante da perda precoce de um filho, é comum um pai ser cobrado para ter uma postura firme, não ceder à tristeza, para poder apoiar a mulher sensibilizada, no caminho da superação do trauma. Porém, eles também sofrem, precisam de ajuda e atenção nesse momento delicado. A  seguir, pais que vivenciaram o luto contam como o enfrentaram e como lidaram com as cobranças externas.

Luto paterno: Daniel Carvalho Pereira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Daniel Carvalho Pereira, 37 anos: Joana, sua filha, viveu por apenas seis dias
Imagem: Arquivo Pessoal

"Minha filha Joana viveu apenas seis dias, na CTI, devido a complicações no momento do parto. Ela teve uma parada cardiorrespiratória e faleceu. É claro que foi um sofrimento para mim, mas percebi que as pessoas não enxergam o pai como alguém que perdeu um filho também. Devido ao machismo, o que se espera é que o homem não chore, que seja forte para cuidar da mulher. No luto pela minha filha, vi como esse machismo também me afeta, foi como um tapa na cara. Muitos homens, por conta disso, negam seus próprios sentimentos e deixam de enxergá-los. Mas isso só faz prorrogar essa vivência, porque uma hora a dor fala mais alto. Eu já fazia psicoterapia e, nesse período, ela me ajudou muito a despertar para o meu luto, olhar para as minhas próprias questões. As pessoas têm dificuldade de lidar com o luto e, na tentativa de ajudar, falam coisas que machucam, como: 'Já passou um tempo, você precisa superar e ter outro filho'. Mas um filho não anula o outro. Nem a morte é capaz de revogar a paternidade. Não creio que superei o luto, mas aprendi a lidar com ele. E participar de um trabalho voltado para essa questão, hoje, me faz reconectar com a minha filha". 

Daniel Carvalho Pereira*, 37 anos, professor e integrante do grupo A.L.Ma (Apoio ao Luto Masculino), um projeto do SOMOS - Elisabeth Kübler-Ross Foundation Brasil.

Luto paterno: João Roberto Abraham Silva Souza - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
João Roberto Souza: "as pessoas não viam Matheus como um integrante da família"
Imagem: Arquivo Pessoal

"Meu filho Matheus sofreu um sufocamento no processo do parto e já nasceu morto. Por isso, as pessoas não o viam como um integrante da família, como se a morte do feto tivesse menor peso do que o de uma criança pequena. Elas buscavam nos animar com a expectativa de uma nova gravidez de uma adoção. As atenções se voltavam para a mãe e eu me sentia esquecido. Acho que isso acontece porque o próprio pai, muitas vezes, não permite que seus sentimentos se tornem visíveis e audíveis, porque é esperado que ele seja mais forte. Mas, no momento da perda, eu também me senti frágil, foi uma espécie de fim de mundo, todos os meus sonhos foram varridos do mapa. Felizmente, minha religião me deu bastante apoio para suportar o que ocorreu. A minha perspectiva sobre vida e morte me deu suporte para aceitar sem revolta a morte de Matheus".

João Roberto Abraham Silva Souza, 38 anos, professor.

Luto paterno: John Marcos Zechner - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
John Zechner, 54, acredita que poucos respeitam este tipo de luto
Imagem: Arquivo Pessoal

"São raríssimas as pessoas que respeitam o luto gestacional, como o que eu vivi. Meu filho Klaus faleceu no sexto mês de gestação, devido a uma pré-eclâmpsia da minha mulher. Mas, para muitos, se não houve a convivência, não há luto. Esse é o primeiro ponto. Além disso, a compaixão é praticamente única e exclusiva para a mãe. Só que a dor é do casal. A sociedade ainda cobra do homem que seja forte, que não chore. Mas é preciso deixar bem claro que isso não é verdade, abrir o coração, para que outros pais possam externar seus sentimentos e suas dores, sem medo nem vergonha. Para mim, foi um baque muito grande, uma dor imensa. Meu luto foi muito mais íntimo do que aparente e, com o tempo, a dor foi se transformando em lembrança, saudade e tristeza. Minha mulher descobriu o grupo 'Do Luto à Luta" e decidiu conhecer, fui acompanhá-la e acabei recebendo essa ajuda, percebi que também poderia ter voz".

John Marcos Zechner, 54 anos, funcionário público.

Luto paterno: Sandro Chernicharo Gomes - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Sandro Chernicharo Gomes, 39: "Senti muita culpa"
Imagem: Arquivo Pessoal

"Depois da perda, as pessoas focam o apoio na mãe, pois foi ela que teve um contato mais estreito com o bebê durante a gestação. E no meu caso ainda mais, porque minha filha Julia viveu apenas três horas, após ter nascido prematura, de 25 semanas. No início, demorei a entender o que estava acontecendo. Tentei ser forte para dar apoio à minha mulher, tentei encarar como algo natural, porém, não consegui. De repente, quando a ficha caiu, eu não conseguia parar de chorar e foi minha mulher que --apesar da dor-- me apoiou e me ajudou a superar. Senti muita culpa porque não dava a devida atenção à barriga, não costumava fazer carinho ou conversar com a bebê. Na noite anterior à morte da Julia, peguei o violão e cantei uma música para ela, foi a primeira e última. Lembro que escrevi uma carta para a minha filha, em que eu pedia desculpas por não ter sido um bom pai, prometendo que iria me redimir da melhor forma possível, sendo um bom pai para os irmãos que ela viesse a ter. Hoje, tenho três meninos lindos que sabem que tiveram uma irmã mais velha que não viveu mais do que três horas, mas que também faz parte da família".

Sandro Chernicharo Gomes, 39 anos, funcionário público.

Luto paterno: Victor Vieira de Souza Pereira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Para Victor Pereira, "ainda é difícil e será para sempre"
Imagem: Arquivo Pessoal

"Minha filha Elis com 36 semanas de gestação deixou de apresentar os batimentos cardíacos e, após um longo parto induzido, nasceu morta. E eu não só não fui apoiado, como, em muitas ocasiões, fui desrespeitado. A pior situação que passei foi ouvir que não era pai porque minha filha não tinha nascido com vida. Na prática, com sorte, temos uma ou duas semanas com as pessoas tentando respeitar o nosso luto. Mas, passado esse tempo, já era. E os pais também sofrem muito no processo. Eu me lembro que, logo após o ocorrido, tinha uma mistura de sentimentos: ficava sem chão, sentia raiva por ter perdido a minha menina e depois negava, como se os médicos estivessem errados e ela ainda fosse nascer viva. De qualquer forma, creio que o melhor caminho para que sejamos vistos é falar sobre e mostrar que também sofremos com a perda. Comecei a apresentar problemas de pressão e minha mulher percebeu que eu estava segurando. Ela me ajudou a enfrentar. Ela teve a iniciativa de buscar um grupo de apoio e comecei a ir com ela. Esses encontros me ajudaram muito a colocar para fora. Para mim, ainda é difícil e será para sempre, já faz um ano que perdi minha filha e são raros os dias em que não penso nela."

Victor Vieira de Souza Pereira, 26 anos, advogado.