Cacique mulher na Amazônia: "Ando pintada para mostrar que estamos em luta"
Tônkyre Akrãtikatêjê (na língua Jê-Timbira) tem 50 anos e mora na comunidade indígena Akrãtikatêjê, localizada no sudeste do estado do Pará, na cidade de Marabá. "Em 1975, quando meu pai foi registrar eu e meus irmãos no cartório não aceitaram. Disseram que nossos nomes eram de animais e não de gente", conta. Por isso ela passou a ser chamada de Kátia da Costa Valdenilson.
Primeira cacique mulher do seu povo, ela relembra, com expressão calma e o olhar distante, do passado e afirma que não foi fácil chegar onde está agora.
"Venho de uma vida sofrida e dura. Não tive infância porque já nasci trabalhando na caça, na pesca e na roça e sempre vi de perto a luta pela terra. Se me perguntar, eu vou ser sincera: não me lembro de ter tido uma vida boa".
Mãe de oito filhos (perdeu uma no parto), com 17 netos e uma bisneta, Kátia acredita que seus filhos tiveram uma infância e adolescência muito melhor que a dela e que 'nasceram em berço de ouro', pois nunca faltou nada e sempre cobrou muito deles. Mas outras coisas ainda são como as de quando era jovem, como por exemplo, a menina tem que casar com 13, 14 anos para ter filhos e perpetuar a comunidade, sempre ensinando os costumes, identidade e língua nativa.
Como é ser mulher cacique
Em 2011, Payaré, seu pai, disse que não queria mais ser cacique e que estava passando seu cargo para ela. "Mulheres estão sempre na frente. Por que não tentar?, ele me perguntou". Assim como todos na aldeia, ela ficou surpresa com a convocação. "Por conta da nossa cultura machista, nunca existiu um cacique que fosse mulher. Mesmo assim, lá estava ele, tentando quebrar o protocolo. Afinal, eu tinha mais quatro irmãos homens, mas ele escolheu a mim. Dizia que sabia do potencial de cada um e essa era sua decisão", lembra.
"Meu pai acreditava que as mulheres eram capazes de competir com homens. Não medindo força física, mas na sabedoria."
Mas o que é ser cacique? "Ele é o responsável por toda terra indígena. Sou eu quem faço as regras, resolvo os conflitos, organizo a caça, vou às reuniões com pessoas de fora e desenvolvo projetos", explica. Ela ainda diz que, muitas vezes, não tem tempo nem para cuidar dela mesma. "Sabe por que? As ideias precisam sair da minha cabeça para os planos se concretizarem."
Filha da resistência
Além de tudo, Kátia carrega um grande legado. É filha de Payaré, conhecido por estudiosos e pessoas da região como um lutador incansável para que os jovens indígenas aprendessem as histórias e tradições de seu povo. "Dizem que o índio não trabalha, que só quer terra e não tem visão. Isso está errado. O que acontece é que temos cuidado com a reserva porque queremos preservar e cuidar do que tem aqui dentro. Nós respeitamos a natureza, pois dependemos dela, mas não somos um povo de ficar de braços cruzados. E mais: não é porque somos indígenas que vamos deixar de usufruir do bom e do melhor. Nós trabalhamos para isso, mas nunca vamos esquecer nossa cultura e da onde viemos. Na rua ando como homem branco, mas aqui na comunidade estou sempre pintada para lembrar que estamos em resistência", afirma.
Sobre os Akrãtikatêjê
No início da década de 70, quando ainda era criança, houve profundas transformações sociais na região em que vivia, o que resultou no deslocamento e expulsão de povos indígenas, inclusive o dela, o Akrãtikatêjê. Junto com outros povos, eles permaneceram em uma única aldeia, chamada Parkatêjê, na reserva Mãe Maria. "Alguns anos depois, junto com mais duas aldeias que tinham sido dizimadas por conta do contato com doenças do homem branco, procuramos um novo local para morar. Fizemos isso para manter a nossa história, pois sabíamos que tínhamos que nos fortalecer porque o que estava por vir não ia ser fácil."
Em 2009, os Akrãtikatêjê fundaram uma aldeia nova, com o nome da própria etnia, dentro da reserva (onde estão até hoje). "Queríamos preservar e fortalecer nossas raízes e, assim, ensinar para nossos filhos e netos sobre a identidade e cultura do nosso povo", finaliza.
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