"Perdi as pernas e tive parto normal, mesmo com médicos me desencorajando"
Cadeirante, a telefonista Lurdes Soares, 37, demorou 37 semanas para encontrar um obstetra que a apoiasse a ter um parto normal. Sem as duas pernas, ela ouviu que não teria condições de parir por via vaginal e recebeu a indicação de cesárea. Nesse depoimento, ela fala da sua deficiência e compartilha a experiência de ter tido um parto normal humanizado: "Foi a sensação mais gostosa do mundo".
"Aos sete anos de idade, fui na padaria comprar pão e, na hora de atravessar a avenida, fui atropelada por um caminhão. Tive de amputar as duas pernas. Como sofri o acidente na infância, eu não tinha noção de que havia me tornado deficiente física. À medida em que fui crescendo, foi natural, para mim, não ter as pernas, é como se eu nunca tivesse tido. Eu engatinhava com o apoio das mãos. Depois, passei a usar cadeiras de rodas. Eu brincava de esconde-esconde, subia em árvore. Na adolescência, frequentava escolas regulares e trabalhava em dois empregos. Tinha uma vida normal.
Aos 21 anos, conheci meu companheiro, o Júnior, em um bate-papo pelo telefone. Conversamos por três anos até termos o nosso primeiro encontro. Ele veio na minha casa e me pediu em namoro. Após oito anos juntos, descobrimos que eu estava grávida do Derick.
Minha primeira reação foi de medo, acompanhada de vários pensamentos: "Será que eu vou conseguir carregá-lo quando ele nascer?", "Como vou criá-lo?". Logo o susto passou, eu fiquei feliz e busquei atendimento para fazer o meu pré-natal.
Passei com quatro médicos, mas nenhum queria pegar meu caso
Foi uma dificuldade achar um profissional que apoiasse a minha decisão de ter parto normal. Eu passei com quatro especialistas até achar o meu obstetra. Eu sentia que nenhum deles se interessava pelo meu caso por inexperiência e devido à minha deficiência. Tive uma experiência negativa com o primeiro médico, ele me olhou com preconceito, quase com dó, como quem se pergunta: "Como uma pessoa dessas quer colocar um filho no mundo?". Eu tinha a impressão de que ele me achava indigna de engravidar.
Busquei outros três médicos e deixei clara a minha escolha, mas eles davam justificativas aleatórias. Não tinham evidências de que não seria possível e indicavam a cesárea. A primeira desculpa foi a de que meu corpo era muito pequeno e a bacia não iria abrir. A outra foi a de que eu precisaria do apoio das pernas para fazer esforço para estimular a saída do bebê, o que não é verdade. Também ouvi que teria uma gestação de risco porque como ficaria o tempo todo sentada, o bebê não teria espaço dentro de mim, eu o sufocaria e, por isso, ele não poderia esperar muito tempo para nascer.
Até então eu confiava na minha capacidade, mas fiquei desmotivada com a opinião dos médicos. Pesquisei sobre o assunto na internet e achei duas doulas, a Damaris e a Carolina, que me deram suporte e me indicaram um obstetra particular, o dr. Victor. Falei para ele: "Dr, eu estou grávida de 37 semanas, mas nenhum médico me apoia a ter parto normal por eu não ter as pernas. Isso é um impedimento?". Ele me respondeu de forma natural: "Baleias não têm pernas e conseguem parir, por que você não conseguiria?". Na hora eu abri um sorriso e suspirei aliviada, tinha encontrado o meu obstetra. Fiz uma campanha na internet e consegui arrecadar R$ 5 mil para pagar os gastos do parto. Também ganhei um ensaio fotográfico da fotógrafa Elis Freitas.
Foram 10 horas de trabalho de parto
Comecei a sentir as contrações no dia 8 de junho de 2015. Cheguei ao hospital com três centímetros de dilatação, mas já fiquei internada pela distância da minha casa, que ficava em outra cidade. Tive meu tão sonhado parto normal humanizado, com direito a incenso e musicoterapia na sala. Foram dez horas de TP, nesse tempo senti de tudo um pouco: dores intensas, relaxei na banheira com o Júnior, dormi, acordei, senti o bebê mexer, recebi massagem. O clima era perfeito. Eu estava muito empoderada, em nenhum momento duvidei que não conseguiria pela falta das pernas.
O Derick já estava coroando quando eles me colocaram na cama. Eu senti a cabecinha dele girando dentro de mim e deslizando para baixo, foi a sensação mais gostosa do mundo. Foi um parto lindo. Eu pari com amor e respeito. Assim que ele nasceu, ele foi direto para o meu peito mamar e ficou me olhando.
"Ser mãe é uma experiência incrível"
No começo, tive a ajuda da minha mãe para cuidar dele. Quando ele completou um ano de idade, fomos morar sozinhos. Foi um período de aprendizado e amadurecimento. Derick é a prova viva do amor de Deus por mim, porque a cada dia ele me capacita a criar meu filho. Agora o Júnior está morando conosco.
Passados três anos do nascimento do Derick, ainda vejo os benefícios do parto normal na nossa família. Eu e meu filho temos um vínculo e cumplicidade muito grandes. Eu e o Júnior nos fortalecemos ainda mais como casal. Ser mãe, gerar e parir é uma experiência incrível que toda mulher deveria passar na vida".
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