Programas ajudam pessoas trans a ter emprego e contratantes veem vantagens
A atendente Ashley Any Gonçalves, 27 anos, ocupa uma das vagas na Pinacoteca do Estado de São Paulo destinadas às pessoas trans. Ela circula pelas salas de exposição e presta atendimento diretamente ao público. "Temos capacidade de trabalhar dignamente como qualquer pessoa. Mas é muito difícil procurar emprego com uma imagem feminina e se apresentar com um documento masculino. Por isso, estou muito feliz com essa oportunidade", diz.
Atualmente, no quadro de funcionários, a Pinacoteca conta com três mulheres e dois homens trans. "Todos contribuem para sermos melhores no que fazemos. É importante refletir nas políticas de gestão de pessoas, no respeito e no compromisso com a inclusão e a diversidade. E esse tipo de contratação é um dos passos nesse sentido. Fizemos um esforço para que isso acontecesse e tivemos sucesso em nossas escolhas", diz Márcia Guiote, coordenadora do RH.
Para ajudar na seleção, a Pinacoteca recorreu ao Programa Transcidadania, desenvolvido pela Prefeitura paulista desde 2008, com o intuito de promover a reintegração social e o resgate da cidadania de travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade. Nos últimos dois anos, foram 71 encaminhamentos para o mercado de trabalho.
De acordo com Anna Cherubina Scofano, professora dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas, esse tipo de contratação deve crescer nos próximos anos, pois é preciso lidar com a perspectiva de inclusão. Porém, ela afirma que nem todas as empresas estão dispostas e, principalmente, preparadas para oferecer essas vagas. "Aquelas que já abriram em termos de contratação vendem uma boa imagem. Elas ganham visibilidade, posicionando-se para diversos públicos. Mas não pode ser apenas uma ferramenta de marketing, esses funcionários precisam sentir-se realmente acolhidos", afirma.
Amanda Matricardi dos Santos, 23 anos, customer care na empresa BASF South America concorda: "Quando cheguei, há pouco mais de um ano, meu crachá estava com meu nome social, assim como o meu e-mail. O RH já havia reunido a equipe informando sobre a minha chegada, houve um cuidado e isso fez toda a diferença". Ela conta que já passou por lugares em que foi obrigada a utilizar o banheiro destinado aos deficientes, pois algumas mulheres não aceitavam sua presença no banheiro feminino. "Uma chegou a me dizer que 'eu era um homem de vestido brincando de ser mulher'. Esse tipo de situação é muito ofensiva", diz.
Anna ressalta que a mudança de cultura precisa ser real, de modo a não causar constrangimento a ninguém: "Não basta apenas colocar para dentro, é necessário zelar para que o convívio seja saudável". Para a professora, as pessoas devem ser valorizadas por sua competência, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. Ela ressalta, ainda, que as pessoas trans e travestis precisam, igualmente, adequar-se às regras da empresa e, inclusive, às regras de vestimenta vigentes.
Experiência de sucesso
Criada há cinco anos, a Transempregos conta com 118 empresas parceiras que oferecem vagas a pessoas trans. Uma das fundadoras, Maite Schneider, conta que as empresas procuram a agência para viabilizar a contratação. "Esperamos que, em dez anos, nosso trabalho não seja mais necessário", diz.
Uma das empresas parceiras é a Atento, multinacional de contact center que mantém uma política de diversidade e igualdade bem estruturada. "A ideia é criar um espaço produtivo de convivência e diálogo, livre de preconceitos. Nesse contexto, identificamos que dar oportunidade de trabalho às pessoas que podem ter muito potencial profissional, mas que são marginalizadas pelo universo corporativo, fazia parte da nossa missão", define Elaine Terceiro, superintendente de Comunicação Interna, Ouvidoria, Responsabilidade Social e Engajamento da Atento.
A companhia estabeleceu o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero em 2013. Em 2014, adotou o nome social no crachá. "Desde então, até hoje, 1.300 colaboradores já optaram pelo crachá com nome social por uma questão de identidade de gênero", completa Elaine.
"A importância dessa abertura é simples: dignidade. Queremos e precisamos de trabalhos dignos para termos a chance de demonstrar nossa capacidade e empenho", afirma Marcelo de Melo Soares Lopes, 23 anos, agente de atendimento na Rappi (startup de delivery). Para ele, a ausência de trabalho, muitas vezes, obriga as pessoas trans a buscarem atividades marginalizadas, como a prostituição.
Na Tembici, que trabalha com mobilidade, são oito funcionários trans. "A diversidade só agrega ao ambiente de trabalho. Vimos que com a contratação de pessoas diversas fomentamos um ambiente mais aberto a ideias e atitudes inovadoras. Também criamos um local mais agradável, em que todos se sentem aceitos e acolhidos, e podem ser quem são", diz Bruna Assis, Gerente de Gente e Gestão.
Renatha Paiva Dionísio, 36 anos, support team leader pleno na SumUp (empresa de pagamentos móveis), conta que já aconteceu de ter sido aprovada em entrevista por telefone e, ao chegar para a conversa presencial, ser reprovada por 'não se adequar ao perfil'. "Ainda está difícil, mas vamos superando as barreiras todos os dias. Também procuro levar tudo com muito humor, para lidar com as situações constrangedoras que eventualmente surgem", afirma.
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