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Passeio em cemitério de SP destaca mulheres pioneiras na história do Brasil

Ângela é a idealizadora do projeto que busca tirar do anonimato mulheres que foram pioneiras e desafiaram o status quo - Breno Damascena/Colaboração para UOL
Ângela é a idealizadora do projeto que busca tirar do anonimato mulheres que foram pioneiras e desafiaram o status quo Imagem: Breno Damascena/Colaboração para UOL

Breno Damascena

Colaboração para Universa

29/01/2019 04h00

Nascida em uma família da aristocracia do café em 1872, Olívia Guedes Penteado foi fundamental para o desenvolvimento do modernismo no Brasil. Além de patrocinar artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Heitor Villa-Lobos e outros personagens da época, foi ela quem criou o Salão de Arte Moderna. A mulher, chamada pelos intelectuais de "Nossa Senhora do Brasil", se envolveu na Revolução de 1932 e incentivou a candidatura de Carlota Pereira de Queiroz para se tornar a primeira deputada eleita no país.

A história é narrada pela guia turística Ângela Arena em frente ao túmulo de Olívia no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Graduada em História da Arte e mestre em Arquitetura e Urbanismo, Ângela é a idealizadora do projeto que busca tirar do anonimato mulheres que foram pioneiras e desafiaram um período que, culturalmente, o sexo feminino se limitava a cuidar dos filhos, da casa e do marido.

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Imagem: Breno Damascena/Colaboração para UOL

"Como em outros setores, o cemitério enaltece o lado masculino. O nome dos homens costuma estar sempre em destaque. É possível perceber a diferença até pela estrutura e artes tumulares. Queremos promover uma reflexão quanto ao papel da mulher na sociedade", explica a pesquisadora. O roteiro, de aproximadamente três horas, demorou mais de três meses para ser desenvolvido. Ela lembra que anotava os nomes escritos nas lápides e iniciava uma pesquisa, mas lamenta que ainda é difícil encontrar material sobre a vida de muitas mulheres.

Uma delas, a poeta nascida em Portugal Maria da Cunha Zorro, que se mudou para o Brasil com a companheira Virgínia Quaresma, primeira jornalista portuguesa da história. A mudança, especula-se, foi motivada pela fuga do ambiente homofóbico em que vivia. Cunha trabalhou em diversos periódicos no começo do século 20 e, de acordo com Ângela, criou o jornal "A Grinalda", que se dedicava a defesa do direito das mulheres.

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Imagem: Breno Damascena/Colaboração para UOL

Há mais de seis anos atuando como guia no cemitério, Ângela defende que os locais são museus a céu aberto. "Se você quiser entender a história de São Paulo, pode aprender com três cemitérios. O da Consolação se apoia em um contexto cafeeiro, com muitos barões; o do Araçá abrange uma comunidade de imigrantes e comerciantes que prosperaram; e o Cemitério São Paulo traz uma cultura nova de industriais, artistas e combatentes", enumera.

Vestindo roupas clássicas, a mulher brinca ao falar que o passeio é a primeira vez que muitas pessoas saem do cemitério com um sorriso no rosto. Ela espera que esse tipo de iniciativa conscientize a população e ajude a evitar o vandalismo. "Quanto mais gente frequentando e entendendo o valor do cemitério, mais eles respeitam", defende.

Uma das paradas mais sintomáticas que a guia faz é no túmulo do último presidente da província de São Paulo, Couto de Magalhães. Ângela comenta que a escultura que acompanha a lápide do ex-político é a única, entre as mais de 400 obras tumulares no cemitério, assinada por uma mulher para uma cerimônia póstuma. Aproveita o momento para narrar a história da autora Nicolina Vaz, que foi responsável por esculpir bustos de diversos presidentes brasileiros, entre outras obras importantes.

O roteiro do passeio cultural caminha pelos jazigos da pianista Guiomar Novaes, da antropóloga Ruth Cardoso, da filantropa Pérola Byington, da educadora Anália Franco, da intelectual Veridiana Prado e da artista Tarsila do Amaral, porém nomes menos famosos também são destacados. É o caso de Guinendel Lubinska e Lolla Brand, prostitutas de origem judaica que foram proibidas de serem enterradas em cemitérios judeus. De acordo com Ângela, o acontecimento impulsionou as garotas de programa judias a criarem seus próprios cemitérios israelitas.

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Imagem: Breno Damascena/Colaboração para UOL

A guia, porém, conta que um dos momentos mais impactantes do tour acontece quando anuncia o nome de Andréa de Mayo, travesti que lutou ativamente pelos direitos LGBTs e se destacou como importante voz no cenário artístico paulistano. Quando morreu, em 2000, o pai rejeitou sepultá-la junto com a família e ela foi enterrada no jazigo de um amigo pai de santo, porém com o nome de batismo: Ernani dos Santos Moreira Filho. Entretanto, desde novembro de 2016, por iniciativa da prefeitura, a placa original agora está acompanhada pelo nome com o qual Andréa se identificava.

Empolgada com o passeio que elaborou, Ângela anuncia que a próxima edição do tour acontecerá em fevereiro e revela o carinho que tem pelos cemitérios. "Quando viajo para outros lugares, já corro para visitá-los", brinca. No entanto, ela confessa que não quer ser enterrada. "Prefiro ser cremada. E que minhas cinzas sejam espalhadas por vários pontos da cidade de São Paulo", deseja, sorridente.