"Cadê o pai?": mães solo relatam constrangimentos até na maternidade
A mineira Aline Bandeira, 32, tinha uma vida muito diferente antes de ter sua filha Lis. Morando no Rio de Janeiro e trabalhando com produção de eventos, ela descobriu que estava grávida de um colega de profissão, que não assumiu a criança, justificando que não queria filhos. Ela voltou para sua cidade natal, Juiz de Fora (MG), e aguentou muito palpite da família sobre como criar sua filha sozinha. Mas a sensação de solidão na maternidade solo veio com o nascimento da menina.
"Você chega na maternidade, preenche a ficha para dar entrada e não tem o nome de pai para colocar lá. E fica todo mundo perguntando por ele, ignorando que essa parte do prontuário está em branco. Minha filha nasceu a cara do pai, e ficavam falando 'nossa, ela não é nada parecida com você, puxou a quem? Cadê o pai?'", relembra. Após ser mãe, Aline decidiu trabalhar como doula para ajudar outras mulheres.
Estar cercada de casais aparentemente perfeitos e sendo cobrada de não ter um parceiro que compartilhe a criação dos filhos é uma das grandes frustrações das mães solo. Além de não ter com quem dividir a responsabilidade de cuidar da criança, elas também lidam com todo tipo de interferência alheia em suas vidas e acabam se comparando com outras mães, que têm companheiros presentes.
"Todo mundo só queria saber onde o pai estava"
A paulista de Poá Nayara Lima, 24, passou por uma situação traumatizante. Ela terminou com o pai de seu filho, que dizia ser estéril, e em seguida foi abusada sexualmente. Após o abuso, descobriu que estava grávida durante um exame de rotina, e o tempo de gestação apontava que era, sim, de seu ex-namorado. Ele não acreditou nela, e Nayara se desesperou. Decidiu que criaria o bebê sozinha, mas não sem consequências: ela perdeu amigos, teve de lidar com o julgamento de pessoas do seu convívio e, na maternidade, bateu a solidão.
"Todo mundo só queria saber onde o pai estava. Quem ficou comigo no hospital foi minha irmã, mas os enfermeiros ainda ficavam perguntando por ele. Meu filho ficou muito tempo na maternidade tomando banho de luz por conta da icterícia, e sempre que eu ficava observando-o no berçário tinham outros casais em volta de mim, superfelizes com seus bebês. Eu me senti muito sozinha, mas eu precisava ser forte por ele", conta.
Lia Greco Chapuis, de 37 anos, também passou por situação parecida. Hoje, sua filha tem 14 anos e ambas mal têm contato com o pai da menina, mas, quando ela nasceu, Lia teve problemas até para registrar a criança. "Fui só com a minha mãe no cartório. Anos atrás, era mais complicado, e perguntavam pelo meu ex-marido. Eu falava que ele estava trabalhando, porque eu tinha vergonha. Ele não acompanhou nada da vida da minha filha, só a conheceu quando ela tinha quatro meses", diz.
Comparar-se com outros casais é uma cilada
A psicoterapeuta Carla Salcedo, do Espaço Vivacitá, em São Paulo (SP), diz que a imagem da família feliz --formada por pai, mãe e filhos-- é constantemente sustentada nas redes sociais e nas propagandas, mas que é impossível atingir esse patamar, até mesmo para quem, à primeira vista, se encaixa no conceito. "As pessoas determinaram que, para ser feliz, tem que existir um 'casal perfeito', mas não existe essa perfeição. A sociedade cobra isso até como um forma de tentar manter o culto de um relacionamento tido como ideal", afirma.
No caso das mães solo, há a pressão externa para se encaixar e também a cobrança que colocam em si mesmas de atenderem às necessidades de sua família --por isso que a comparação com outros casais é uma grande cilada. "Elas não podem cair no erro de tentar estabelecer uma função simbiótica com a criança, de que podem suprir todos os papeis: de pai, mãe, educadora. Você precisa se mostrar como uma mãe suficiente, não onipotente", argumenta a especialista.
Para quem se sente muito sozinha durante a gestação, Carla aconselha já avisar antes a equipe da maternidade sobre a ausência do pai, para evitar constrangimentos. Ela também recomenda a construção de redes de apoio. "Ver quais são os parentes que realmente estão ali para ajudar, os amigos com quem pode contar e procurar ajuda profissional de um psicólogo são detalhes muito importantes".
A título de exemplo, Aline diz que trocar experiências na internet com outras mães solo fez diferença. "Fui buscar aquilo que eu senti falta na minha maternidade, que é a companhia de outras mulheres". Nayara, também, teve acompanhamento psicológico durante a gestação e conseguiu passar a limpo o abandono e o abuso. Hoje, o ex participa ativamente da criação de seu filho.
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