"Mães ensinam gordos a odiar seus corpos", diz autora de 'Dumplin'
Em inglês, dumplin' é como os americanos chamam um bolinho típico dos restaurantes japoneses, similar a um guioza. Se dá água na boca de pensar, não pode se dizer o mesmo de ver a guloseima virar seu apelido. Muito menos se você é uma garota gorda no auge da adolescência, moradora de uma cidade pequena no interior do Texas, nos Estados Unidos, e filha da miss (magérrima) mais famosa do lugar.
Esse é o resumo de "Dumplin'" -- o livro (Ed. Valentina , R$ 39,90) --, que virou filme original da Netflix e estreia hoje no Brasil, com Danielle Macdonald e Jeniffer Aniston no elenco. Dumplin' - a garota que ganhou o apelido - é na verdade Willowdean, uma heroína gorda diferente do clichê: ela não é engraçada nem triste e vive a vida normalmente.
Magros têm seu papel
Esse é o segundo livro de Julie Murphy, autora que já ficou em primeiro lugar entre as autoras mais vendidas dos EUA, segundo a lista do New York Times. O sucesso se explica pela imediata identificação das garotas jovens que não estão no antigo padrão de beleza ditado pela mídia (magras, altas e de cabelo liso). Cobrança materna, dificuldades no relacionamento com a melhor amiga e um bloqueio no que diz respeito às questões do coração estão entre lições de Willowdean durante a obra.
A trama, aliás, deveria interessar a todos. Julie garante que viveríamos melhor se não reforçássemos em sociedade diariamente comportamentos que prejudicam os gordos. "Você, que é magro, quando vai a restaurantes, acaba fazendo com que seus amigos gordos se espremam em cadeiras minúsculas ou banquetas mínimas?", pergunta.
Julie falou com Universa sobre as saídas para os dilemas de Will que, na verdade, são questões de qualquer adolescente. Aliás, Dumplin' não é uma história sobre uma garota gorda. É história de uma garota. E ponto.
No livro, Will e Ellen (sua melhor amiga) têm problemas em sua amizade por conta da diferença de peso. Como deveria ser a amizade entre garotas magras e gordas?
Acho que nossas diferenças e o que faz nossos relacionamentos valerem a pena são as coisas que nós podemos aprender com o outro. Se pessoas magras estão procurando caminhos para ajudar suas amigas gordas, elas deveriam pensar sobre as coisas que pode fazer diferente por elas. Quando você vai fazer compras, só vai em lojas para pessoas magras? Quando vai a restaurantes, acaba fazendo com que seus amigos gordos se espremam em cadeiras minúsculas ou banquetas mínimas? Quando pessoas estão constantemente falando com os gordos sobre dieta e perda de peso você tenta emplacar uma mudança de assunto e deixa claro que o corpo da pessoa é assunto privado dela? Se sua amiga está aberta a isso, pergunte como pode ajudá-la. Comunicação é a chave.
A personagem sabe que merece um final feliz, mas acaba se boicotando quando alguém se apaixona por ela. O gordo evita a felicidade?
Eu acho que o obstáculo mais difícil para Bo [o rapaz por quem ela se apaixona] é o pensamento do que as pessoas irão dizer e de como namorá-lo vai fazer com ela chame mais atenção do que já chama. Pessoas gordas, ou pessoas que são diferentes, gastam muito tempo tentando desviar a atenção dos outros e passarem despercebidos. Se uma garota gorda namora alguém que é convencionalmente visto como atraente, isso vai contra tudo que a sociedade nos ensina a acreditar. Há várias coisas que Will não se permite ter porque ela tem medo de como seria tentar algo e não conseguir -- uma delas é namorar Bo. Especialmente quando todo mundo diz que você é uma boba por querer aquilo.
Como você define a autoestima de Will?
Eu diria que Will quer amar a si mesma: em alguns dias ela triunfa e em outros não. Eu definitivamente me sinto da mesma maneira. Amar a mim mesma é uma nova batalha todos os dias, mas é algo pelo que eu sempre batalho.
Ela não gosta de ver meninas gordas nos filmes porque existe o estereótipo de ser infeliz ou ser engraçada. Isso está mudando?
Eu espero que isso esteja mudando. Eu acho que há muitas pessoas que são responsáveis por isso e eu sou uma entre tantas. Há muitas histórias que devem ser contadas. Willowdean é só uma gorda hétero e branca. Dumplin' parece um progresso, mas a gente precisa de mais.
Mas ela é uma heroína gorda. Quais foram as outras protagonistas gordas que já inspiraram você?
Ela definitivamente não é a primeira. Muitas chegaram antes e realmente me inspiraram. Algumas de minhas favoritas são a Ursula, da Pequena Sereia, Tracy Turnblad de Hairspray, Rae Earl, de My Mad Fat Diary, America Ferrera, de Real Women Have Curves. Há também muitas excelentes atrizes protagonizando Queen Latifah, Melissa McCarthy, Whoopi Goldberg, Rebel Wilson, Chrissy Metz e Gabourey Sidibe.
Estar de dieta na adolescência é comum entre as adolescentes. E há muitas mães que forçam a barra para isso. O que você diria para essas garotas?
Infelizmente, isso acontece. Para muitos de nós, eu penso que nossas mães são as primeiras pessoas que nos ensinam a odiar nossos corpos. Isso acontece porque elas também são ensinadas a odiar os próprios corpos. Sempre tem maneiras de falar com seus filhos sobre comida e exercícios sem centralizar a conversa na perda de peso. Eu acho que é fácil dizer a nós mesmos que mudanças como essa vão demorar gerações para acontecer. Mas, em vez disso, poderíamos fazer a mudança agora mesmo e quebrar os ciclos de ódio ao corpo de uma vez por todas. Por que você não começa isso? E que tal começar agora?
Deveríamos ensinar as crianças a ficarem atentos com os próprios corpos por amá-lo e não por odiá-lo.
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