Ela enfrentou ameaças ao pintar mulheres negras e lésbicas em muros baianos
Quando começou a grafitar, há cerca de oito anos anos, a historiadora Annie Ganzala era uma das poucas mulheres no cenário da arte de rua em Salvador (BA). Por ser candomblecista, negra e lésbica, ela entendeu que seu papel seria justamente representar essas realidades nos muros da cidade -- o que lhe rendeu uma série de olhares tortos e até ameaças.
"Um outro grafiteiro, carregado de preconceitos, apagou meu desenho [que retratava um casal de mulheres], pichou por cima e publicou o estrago nas redes sociais, me chamando de puta, de vadia e dizendo que acabaria comigo se eu continuasse trabalhando", contou à Universa.
Aquela não foi a primeira vez que Annie, de 30 anos, teve uma obra vandalizada. "O grafite é uma arte que está sujeita a qualquer intervenção", diz. Mas o episódio, que aconteceu em 2014, acabou afastando a artista das ruas: na época, a filha dela, Lila, tinha 7 anos. "Fiquei com medo, claro. Não tive apoio de outros grafiteiros e acabei parando", lembra a mãe solo, que até hoje vive (e sustenta a menina) com o dinheiro que ganha graças à venda de obras de arte e às aulas em oficinas de desenho e grafite.
O hiato da artista nas ruas durou quase quatro anos -- período em que se dedicou a produção artística em casa, criando aquarelas e ilustrações sob encomenda -- e só acabou em meados de 2018, quando percebeu o aumento do número de mulheres fazendo a mesma arte.
Hoje me sinto mais segura. Ainda assim, só saio para pintar durante o dia e na companhia de outras grafiteiras.
A vez delas
Vez ou outra, Annie organiza mutirões de mulheres para colorir espaços como muros de escolas ou faculdades -- quase sempre acompanhada pela filha Lila, hoje com 11 anos, que sabe grafitar e investe na carreira de rapper.
O cenário está mudando, mas, para Annie, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
"Quando as mulheres aparecem nos grafites, são retratadas de maneira sexualizada, porque ainda há poucas mulheres grafitando", analisa. "Nós estamos abrindo as portas para quem está chegando; meninas da geração da minha filha, por exemplo, que já conseguem associar a arte à imagem de uma grafiteira, não necessariamente de um homem."
Apesar de retratar assuntos polêmicos -- como intolerância religiosa, relacionamentos lésbicos e gordofobia -- a artista sente que a cidade está disposta a abraçar a arte e os artistas.
"Quando nosso mutirão de mulheres sai às ruas aqui em Salvador, quase sempre aparecem pessoas para oferecer água, lanche a até marmitas. Elas interagem, elogiam o trabalho e algumas até nos agradecem pela obra", conta.
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