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Por que há poucas santas e santos negros na Igreja Católica?

Santa Josefina Bakhita, do Sudão, é uma das poucas santas negras católicas - Getty Images
Santa Josefina Bakhita, do Sudão, é uma das poucas santas negras católicas Imagem: Getty Images

Jacqueline Elise

Da Universa

12/02/2019 04h00

No último dia 8 foi celebrado o dia de santa Josefina Bakhita. A entidade é negra, uma das poucas que existem na Igreja Católica, e foi canonizada em 2000 pelo Papa João Paulo II. Em janeiro, também no dia 8, foi dia de santo Antônio de Categeró, outra figura importante para a comunidade negra. 

A Igreja Católica conta com alguns santos e santas negros reconhecidos ao longo de sua história --no Brasil, a mais conhecida delas é Nossa Senhora Aparecida, considerada a padroeira do país --mas que são uma ínfima minoria se comparados às figuras retratadas como brancas. A celebração deles, também, muitas vezes é restrita a grupos específicos de devotos. 

Mas por que há tão poucas entidades negras no catolicismo? A resposta está no período colonial: para conquistar os povos colonizados, os europeus canonizaram figuras negras que pudessem ser uma forma de representação para eles. Porém a expansão foi limitada: com a escravidão no século 19, o culto às entidades negras ficou restrito e a reforma da Igreja Católica na mesma época enfatizou as celebrações de santos brancos.

A colonização e a reforma da Igreja

Santas e santos negros começaram a aparecer no catolicismo por volta do século 16. A Igreja passava por uma reforma durante a colonização europeia: com a expansão da fé católica para os povos colonizados, era preciso que eles se identificassem com a religião. Foi então que figuras conhecidas dessas populações foram pouco a pouco canonizadas. 

Neste processo, uma das primeiras santas negras que surgiram foi santa Efigênia, uma figura de grande importância na Etiópia e que possui sua matriz brasileira em Ouro Preto (MG). Santo Elesbão e São Benedito também tiveram grande influência para trazer os povos conquistados ao catolicismo.

O papel das irmandades negras na colonização e na escravidão

Com a canonização desses santos, era necessário manter suas imagens vivas e celebradas. Foi assim que nasceram as irmandades, grupos de fiéis negros e negras que mantinham a crença viva, ainda nos séculos 16 e 17; e tiveram papel fundamental durante a escravidão.

No século 19, negros escravos e livres encontravam dificuldades em participar da "igreja dos brancos": ou não tinham permissão de frequentar os lugares, ou eram colocados em espaços separados, pois ainda era de interesse da Igreja que mais pessoas fossem catequizadas. Neste contexto, as irmandades foram essenciais para que a fé negra continuasse ali, ainda que segregada. A "padroeira dos negros" é Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que era celebrada pela comunidade junto a Efigênia, Elesbão, Benedito e Rei Baltazar, um dos reis magos.

Nessa mesma época, o privilégio às imagens santas brancas em detrimento das entidades negras ficou mais forte no período chamado de "romanização da Igreja Católica", quando os interesses romanos, do papa, foram usados para ditar o que deveria ser o papel da Igreja no país. Somado ao racismo do período escravocrata, os santos negros ficaram ainda mais isolados.

Santas e santos negros católicos

Apesar das reformas do Catolicismo, as irmandades ainda existem e celebram suas santas e santos ao longo do ano --brancos também cultuam e festejam estas figuras e suas bênçãos. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador (BA), atrai muitos fiéis e também tem representação em São Paulo, com duas igrejas dedicadas à padroeira. Aqui, listamos algumas santas e santos negros e suas histórias:

Santa Efigênia

Também conhecida como Santa Ifigênia, foi uma das primeiras negras canonizadas durante a expansão do Cristianismo na Etiópia. Ela era uma princesa que, após ser criada no paganismo, dedicou sua vida a Deus. No Brasil, sua figura é celebrada no dia 21 de setembro.

Santa Josefina Bakhita

Bakhita significa "abençoada", mas este não é seu nome de batismo. Nascida no Sudão, ela foi escravizada e vendida a um cônsul italiano. Foi em Veneza que entrou em contato com o Catolicismo. Conhecida como "santa irmã morena", ela foi beatificada e canonizada pelo Papa João Paulo II. Seu dia é comemorado em 8 de fevereiro.

Nossa Senhora Aparecida

Nossa Senhora Aparecida - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
A representação mais conhecida da padroeira do Brasil é negra
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Apesar de ter diversas representações, Nossa Senhora Aparecida, conhecida como a "padroeira do Brasil", é popularmente retratada como uma santa negra. Sua figura foi encontrada em 1717. Pescadores tentavam, sem sucesso, capturar peixes, mas ao lançarem suas redes encontraram a estátua da Virgem Maria, escurecida e sem a cabeça. Em seguida, "pescaram" a parte de cima da imagem e, então, pegaram tantos peixes que quase não cabiam no barco --foi assim que começou a devoção a ela. Seu dia é celebrado em 12 de outubro. 

Santo Elesbão

Assim como Efigênia, santo Elesbão também é etíope e muito celebrado nas irmandades negras: foi uma das grandes fontes de disseminação da fé cristã em seu país. Sua festa ocorre em 27 de outubro, que também foi a data de sua morte.

Santo Antônio de Categeró

Antônio de Categeró nasceu no norte da África e, assim como Bakhita, também, foi escravizado e conheceu o Cristianismo a partir de seu senhor. Seu dia é em 8 de janeiro.

São Benedito

São Benedito - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
São Benedito é o protetor do cozinheiros: no Brasil, há o costume de oferecer a primeira xícara de café do dia a ele
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Conhecido como "o Mouro", Benedito nasceu no século 16 e foi educado na fé cristã pelos pais. Em um dos conventos que morou trabalhou como cozinheiro. É provável que venha daí o costume de ter uma imagem do santo na cozinha e colocar o primeiro café do dia para ele. Há quem acredite que, dessa maneira, São Benedito ajudará a ter sempre alimento naquela cozinha. Sua festa acontece em outubro, no dia 5.

FONTES: Lucilene Reginaldo, doutora em História e professora de História da África no Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Juliana Serzedello Crespim Lopes, historiadora e professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP); "Irmandades e devoções de africanos e crioulos na Bahia setecentista: histórias e experiências atlânticas", de Lucilene Reginaldo, organizado por Laura Álvarez López, Markel  Thylefors, Johan  Wedel, Stockholm  Universitet (2009); "O conceito de romanização do catolicismo e a abordagem histórica da Teologia da Libertação", de Mauricio de Aquino (2013).