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"Cuido da minha filha que teve um AVC grávida e deu à luz em coma"

Nelcy, à direita, sobre sua filha: "nunca vou abandoná-la, vamos superar isso juntas" - Arquivo Pessoal
Nelcy, à direita, sobre sua filha: "nunca vou abandoná-la, vamos superar isso juntas" Imagem: Arquivo Pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para Universa

14/02/2019 04h00

Aline Zavarizzi Lucatto tinha 32 anos e estava grávida de cinco meses quando sofreu um AVC hemorrágico. Ela teve o bebê, mas o derrame deixou sequelas gravíssimas: ela perdeu a fala e os movimentos. Nesse depoimento, a mãe dela, Nelcy Zavarizzi Lucatto, 61, conta como cuida da filha e os desafios para explicar ao neto de cinco anos o que aconteceu com Aline.

"Em 2013, a Aline estava de plantão no hospital onde trabalhava como técnica de enfermagem quando sofreu um AVC. Segundo o relato das enfermeiras, ela teve um mal-estar, sentiu uma forte dor de cabeça, desmaiou e teve várias convulsões. Na época, ela estava grávida de cinco meses e meio do primeiro filho, o Guilherme.

Uma enfermeira me ligou e disse que a pressão dela tinha subido. Eu não acreditei, desconfiei que ela não estava me contando a verdade, pois achei que a Aline tivesse perdido o bebê. Naquele mesmo dia à tarde, eu tinha visto a minha filha no apartamento dela. Ela estava tranquila, conversamos e ela vibrou quando o Gui se mexeu, pediu para eu colocar a mão na barriga dela.

Fui ao hospital assim que me ligaram. Não me deram detalhes do que havia ocorrido, mas me deixaram vê-la. Ela estava deitada, imóvel, com os olhos fechados. Pela expressão, percebi que era algo grave. Eu a beijei e disse que estaria ao lado dela independentemente do que acontecesse. Caiu uma lágrima do olho dela. Ela foi encaminhada para a cirurgia, que durou sete horas. Após o procedimento, o médico informou que ela tinha sofrido um AVC e que seria necessário esperar 72 horas para saber se ela sobreviveria. Foi doloroso ouvir aquilo, mas meu coração dizia que a tempestade ia passar.

No dia seguinte, ficamos sabendo que meu neto estava bem de saúde. Isso me encheu de esperança. Eu acreditava que, mesmo inconsciente, a Aline ia ter força para lutar pela vida dela e do filho. O sonho dela era ser mãe, ela estava feliz com a gravidez, já tinha feito todo o enxoval.

Ela ficou em coma induzido por dois meses e meio até o Guilherme nascer, prematuro de 8 meses, no dia 28 de agosto de 2013. Tive de adaptar a minha casa para recebê-los e atender as necessidades dela. O AVC deixou sequelas: ela perdeu os movimentos dos braços, das pernas, não anda, não fala, mas compreende o que acontece ao redor. À época, o marido dela foi morar com a gente e nos dividíamos nos cuidados com ela. Houve um período em que os três foram morar em outro lugar. Depois de um tempo, ele se afastou, e ela voltou para a minha casa, onde está até hoje.

Sábado é o dia de princesa da Aline

Tenho uma estrutura de cuidados em casa (home care) e conto com o suporte de quatro técnicas de enfermagem que se revezam a cada 12 horas. Nossa rotina é totalmente focada na reabilitação dela. Ela faz acompanhamento com neurologista, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. Ao longo desses anos, a Aline já apresentou alguns sinais de melhora: ela come com a boca, não se alimenta mais por sonda no nariz. Também tirou a traqueostomia e não respira mais com a ajuda de aparelhos. É um trabalho de formiguinha. Cada evolução é uma vitória.

Aline e sua mãe tiram os sábados para fazer um 'dia de beleza' - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aline e sua mãe tiram os sábados para fazer um 'dia de beleza'
Imagem: Arquivo Pessoal

Minha filha sempre foi uma mulher bonita e eu faço questão de mantê-la vaidosa. Eu brinco que sábado é o dia de princesa. Faço hidratação, unha e maquiagem nela. Um rímel, batom e blush já realçam a beleza dela. Uma vez por mês, ela faz depilação e peeling. E a cada três meses a cabeleireira faz luzes. Sempre a elogio e digo que ela está linda. Ela entende e faz um ruído com a garganta.

Meu neto não reconhece as fotos da mãe sorrindo

A Aline tem um bom relacionamento com o filho. Ele é carinhoso, a beija e abraça. Ele tem cinco anos e sabe que a mamãe dele é diferente das outras mamães. Eu mostro fotos e vídeos de como ela era antes do AVC, sorrindo, mas ele não a reconhece com esse semblante. Ele pergunta quando ela vai melhorar, andar e falar. Eu respondo que será no tempo de Deus, explico que ela está dodói, mas que o ama muito.

Meu neto mora com o pai e visita a mãe três vezes por semana. Quando ele não vai, a expressão dela é séria e ela fixa o olhar nas fotos dos dois. Quando ele aparece, ela fica serena. Coloco os dois para assistir desenho juntos, e ela fica no quintal vendo o filho e meu marido, o Alvaro, jogar futebol e brincar de carrinho. Incentivamos o Gui a contar à mãe as coisas mais legais que ele fez na semana. Ele alegra o ambiente.

A Aline se comunica pelo olhar, não fala com a boca, mas com os olhos. No quarto, ela tem uma placa com várias palavras aleatórias, e separadas em colunas por assuntos. Em 'nomes', tem o meu, do pai, do filho etc. Em 'tarefas', listamos as atividades do dia. Em 'sensações', tem amor, tristeza. Em 'necessidades', ela indica se quer comer, beber. Ela formula e responde pequenas frases à medida que apontamos as palavras e com base em comandos, como piscar e virar a cabeça. Uma vez ela formulou: 'Eu sou muito agradecida por tudo que você faz por mim'. Fiquei emocionada.

Os médicos não falam sobre o futuro dela

Os médicos não dão nenhum prognóstico, apenas avaliam o atual quadro e desenvolvimento dela. Sou realista e acho difícil que ela volte a ser como era antes, mas tenho esperança e confiança de que um dia ela voltará a falar e poderá conversar com o filho e acompanhar de mais perto o crescimento dele. A Aline tem 38 anos e é uma mulher guerreira, mesmo com todas as limitações, tem sobrevivido a cada dia.

Aline comemora seu aniversário com a família - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aline comemora seu aniversário junto aos pais e ao filho, Guilherme
Imagem: Arquivo Pessoal

Como mãe, eu já tive meus momentos de dor, choro, alegria e perseverança, mas nunca reclamei pelo que aconteceu com ela ou a mudança que isso nos causou. Creio que a vida não acaba aqui. Temos de ser fortes e passar pelas adversidades sem murmurar. Enquanto Deus me der saúde para continuar cuidando dela com amor e paciência, vou cumprir a promessa que fiz aquele dia no hospital: eu nunca vou abandoná-la, vamos superar isso juntas".