O pai dela se identificou como trans: "Não fazia dele uma pessoa pior"
A carioca Cecília tinha 5 anos de idade quando o pai começou a usar brincos e adotar o cabelo abaixo dos ombros. Associou as mudanças com a moda meio grunge da época. Entendeu o que estava acontecendo quando sua mãe encontrou roupas, calçados, lingeries e adereços ditos femininos que não lhe pertenciam em cima da cama, junto a uma carta: era um texto dele explicando ser transexual. Trinta anos depois, a administradora, que pediu para não ter sua identidade revelada, conta como reagiu às mudanças do pai.
"Meu pai começou a mudar lentamente, com um furo na orelha, cabelos compridos, mas eu tinha 5 anos e jamais me ocorreu se tratar de algo relacionado à sexualidade ou gênero. Só achava que ele era diferente dos pais das minhas amigas.
Um dia, minha mãe chegou em casa e tinha várias coisas de mulher em cima da cama com uma carta. Ali, meu pai explicou ser dono de tudo aquilo, que ele não estava mais aguentando abafar seu segredo. Ainda revelou ter usado roupas da ex escondido, durante o primeiro casamento. Ele negou ser gay, mas explicou que precisava se vestir de mulher para se sentir bem.
Minha mãe quis se separar na hora, e a família virou as costas para ele. Lembro até hoje dela e da minha avó materna me sentarem no sofá para perguntar se um dia reparei alguma coisa estranha no meu pai. Eu só falei que o achava um pouco diferente dos outros pais, mas que ele era meu pai.
Ouvi delas que meu pai não era uma pessoa normal porque se vestia de mulher. Falaram também que minha avó paterna o tratava como uma menina até seus 4 anos e o chamava de Maria Helena. Achamos, na época, que isso poderia ter influenciado. Quando assumiu sua identidade trans, adotou o nome Patrícia Helena.
Comecei a sentir raiva do meu pai quando ele começou a fazer coisas que me humilhavam como me buscar na escola vestido de mulher, ou andar no condomínio onde morávamos assim. Foi de um dia para o outro. Na época, pensava que ele não se preocupava com a velocidade com que a transformação dele iria afetar outras pessoas. Meus amiguinhos me zoavam e eu tinha muita vergonha. Isso me desestruturou muito. Só tinha 8 anos.
Comecei a pedir para ele desistir de tudo isso. Eu mandava cartas pelos Correios e ele falava que nada nem ninguém no mundo era mais importante do que sua transição, muito menos eu. Ler aquilo foi como uma punhalada no peito.
Depois que eu virei mãe, enxerguei melhor o lado dele e entendi esse amor entre pais e filhos. Porque fiz coisas das quais minhas filhas também não se orgulhariam, e nem por isso as amo menos.
Vejo hoje que meu pai conduziu algumas coisas de maneira equivocada, mas ser trans não fazia dele uma pessoa pior. E nos reaproximamos. Foi a melhor coisa que fiz antes dele morrer.
Aprendi muito com meu pai. Passamos por cima de muita coisa. No nosso último encontro, eu falei: 'pai, quero que você saiba que fui a pessoa que mais te amou nessa vida, que não tenho vergonha de quem você é'. Dei um beijo nele e quatro horas depois ligaram dizendo que ele tinha partido. Tive uma última chance de dizer para ele o quanto o amo."
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