Faxineiras, garis... mulheres em profissões "invisíveis" falam o que ouvem
Ter um trabalho digno é o sonho de muita gente, porém, algumas funções, mesmo consideradas essenciais, ainda sofrem o menosprezo da sociedade. A seguir, mulheres discriminadas por causa da profissão contam um pouco de sua rotina. E saiba o que as especialistas falam para melhorar essa situação:
"Estou deixando sujo para ajudar a manter o seu emprego"
"Estou feliz com o meu trabalho, mas é preciso ter paciência, porque as pessoas são bastante grosseiras. A gente está limpando e elas continuam sujando e ainda dizem que, agindo assim, estão garantindo o meu emprego. Certa vez, enquanto eu varria, uma pessoa passou e jogou o cigarro aceso no carrinho. É claro que não demorou muito e começou a pegar fogo. Levei um susto, podia ter me machucado, mas o responsável pelo ato, provavelmente, nem percebeu que havia um ser humano do outro lado."
Maria Zilda dos Santos da Silva, 50, é varredora há 11 anos
O que diz a especialista: "Esse tipo de postura mostra que estamos em uma sociedade ainda extremamente preconceituosa, desinformada e individualista", diz Miryam Cristina Mazieiro Vergueiro da Silva, psicóloga do Trabalho do Instituto de Psiquiatria - IPq/HCFMUSP. De acordo com Miryam, para combater essa visão equivocada, há necessidade de refletir sobre a maneira que cada um se relaciona com esses profissionais. Também é essencial se policiar para não cometer o mesmo erro.
"Quando some alguma coisa, sempre suspeitam de quem faz a limpeza"
"Existe muito preconceito com o meu trabalho, como se o fato de ser faxineira me fizesse menos honesta. Certa vez, trabalhei em uma empresa e sumiu um celular. Fui chamada pelo gerente e ele me acusou. Fiquei ofendida; percebi que fui julgada por ser simples, mas não pego nada de ninguém."
Lilian Galvão Novaes, 56, é faxineira há mais de 40 anos
O que diz a especialista: quem pratica esse tipo de ato, infelizmente, não tem a dimensão do mal que pode causar a outra pessoa. "Quando esses acontecimentos se tornam recorrentes, podem até provocar adoecimento mental, depressão, por exemplo. E, caso a pessoa se sinta desvalorizada; pode acontecer de ficar ainda mais difícil a superação do sofrimento."
"Eu entro em um comércio e já dizem: 'não tenho nada para dar'"
"Existe morador que acha que a minha obrigação é limpar a calçada da casa dele, como se eu fosse empregada. No comércio, muita gente acha que sou pedinte; eu entro no local para comprar uma água e já falam: 'Não tenho nada para dar'. As pessoas veem a nossa profissão como se fosse algo inferior; nos acham incapazes de ter algo melhor."
Eliza Sebastiana de Oliveira, 42, é varredora há 7 anos
O que diz a especialista: muitas vezes, o outro é visto como um mero instrumento de satisfação de necessidades pessoais. "Além disso, há um julgamento pela aparência, pela ocupação, completamente equivocado, contribuindo para que a pessoa passe por um constrangimento desnecessário", avalia.
"Acham que é um lixão e não existem regras"
"Meu trabalho consiste em revitalizar áreas que se tornaram pontos de despejo de entulho. Após a limpeza desse espaço, planto flores, coloco pneus e paletes com mensagens motivacionais. Tem morador que considera perda de tempo; não enxerga como melhoria. Dizem que de nada adianta; que a gente fica pintando pneu à toa. Também fico no ecoponto, local destinado à entrega de entulho, e é preciso ter jogo de cintura, porque acham que podem descartar qualquer coisa ali, sem entender que, naquele lugar, tem regras."
Úrsula Renata Gonzaga, 31, trabalha como orientadora ambiental há 5 anos
O que diz a especialista: para evitar que situações iguais a essa se repitam, é necessário investir em informação a respeito das diversas profissões e da relevância que têm para a manutenção da segurança, da qualidade de vida, da saúde de toda a sociedade. "Os que atuam nessas funções, por outro lado, precisam se conscientizar da importância dessas atividades profissionais, para não se deixar abater pela falta de motivação."
"Ninguém mandou não estudar"
"Eu acho absurdo quando alguém me diz isso, porque eu não considero o meu trabalho ruim. Enxergam a gente como analfabeto, mas, para conquistar essa vaga, prestei, até concurso. Eu sei que o meu trabalho não é reconhecido e, por isso, tem pessoas que olham para mim com desprezo, como se eu fosse uma coitada. Se não fiz faculdade é porque ainda não consegui, mas é dessa profissão que tiro o meu sustento e o dos meus filhos, e me orgulho disso. Se a gente parar, quero ver como a cidade vai ficar. Talvez as pessoas aprendam a ter mais respeito."
Elisabeth Martins da Silva, 30, é varredora há 6 anos
O que diz a especialista: existe a desvalorização de alguns tipos de trabalhos, e isso é uma construção social, que precisa ser combatida. "Em contraponto, vivenciamos uma grande desordem quando esse tipo de função, ou similar, não é executada, a cidade se transforma em um verdadeiro caos."
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