Absorvente de jornal: menstruação tabu na Índia em filme indicado ao Oscar
A americana Rayka Zehtabchi nunca teve problemas em encontrar absorventes ou tampões, nunca deixou de falar sobre suas cólicas com amigas ou mesmo de perguntar a adultos sobre menstruação. Aos 23 anos de idade, numa viagem à Índia, percebeu como tudo isso era de fato um enorme privilégio.
"Foi chocante conhecer mulheres que passaram a vida inteira sem entender o que é a menstruação. E que nunca falaram com um outro ser humano sobre isso, algo tão natural para nós mulheres", disse Zehtabchi, diretora de "Absorvendo o Tabu" (em inglês, "Period. End of Sentence", num trocadilho com a palavra ponto final e o período menstrual), indicado ao Oscar de curta-metragem, num evento na terça-feira na sede da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles.
"São pessoas que passaram a vida achando que havia algo inerentemente errado com elas", continuou Zehtabchi, que tem origem iraniana e mora em Los Angeles. Na Índia, mulheres não podem entrar em templos quando menstruadas por serem consideradas sujas.
O curta de 25 minutos, disponível no Netflix, segue um grupo de mulheres numa vila ao norte da Índia, a 60 km de Nova Déli. Com a doação de uma máquina inovadora, elas abrem uma pequena fábrica de absorventes de baixo custo, feitos com matéria-prima local biodegradável.
Elas batizam o produto de "Fly" (para a mulher que quer alçar voo) e passam a vendê-lo pelas ruas da região.
"A máquina mudou a vida das mulheres e trouxe um enorme empoderamento, lhes deu uma voz que elas não sabiam que tinham", disse Zehtabchi.
Vaquinha e bolos veganos
A ideia do curta-metragem nasceu num colégio de Los Angeles, com um grupo de estudantes de 15 e 16 anos que faziam parte da Girls Learn International, uma organização que dá voz a estudantes no movimento global de acesso à educação para todos os gêneros.
Ao mandar uma estudante para um evento nas Nações Unidas, aprenderam que muitas meninas da mesma idade na Índia deixavam de frequentar a escola após menstruar, muitas vezes por vergonha ou falta de estrutura, como banheiros e absorventes.
Ao mesmo tempo, as estudantes também conheceram a tal máquina inovadora do indiano Arunachalam Muruganantham. E imediatamente foram atrás para comprar uma e mandar para um vilarejo indiano.
Para levantar dinheiro, fizeram vaquinhas online, venderam bolos veganos e organizaram eventos de ioga.
"Foi a jornada mais profunda da minha vida e sei que muitas alunas sentem o mesmo", disse a professora de inglês Melissa Berton, produtora do filme e mentora das estudantes. "Talvez por sermos de Los Angeles, sabíamos que a melhor forma de chamar atenção para esse problema seria mesmo fazendo um filme."
Para mudar o mundo
A diretora Zehtabchi entrou no projeto do curta-metragem uma semana após terminar sua faculdade de cinema e sem nunca ter feito um documentário.
"Somos a prova de que um grupo, mesmo sem a menor experiência com nada disso, pode realmente colocar suas mentes e corações juntos e criar algo incrível que pode mudar o mundo", disse. "Fazer documentários é algo absolutamente essencial. Ajudamos a mudar o jeito como menstruação é encarada. Isso nos dá força para ajudarmos outras mulheres."
"Fico muito emocionada ao falar disso. E olha que nem estou menstruada!", brincou a diretora. "Esperei um tempão para fazer essa piada."
Do curta-metragem, nasceu o The Pad Project ("pad" é absorvente em inglês), uma organização sem fins lucrativos que combate o estigma da menstruação e arrecada dinheiro para enviar mais máquinas ao redor do mundo.
Já o criador da máquina, Muruganantham, teve sua história de ativismo transformada em filme indiano em 2018. Ele ficou anos em busca de uma solução para sua mulher, que usava panos sujos e jornais como absorventes, já que os vendidos em farmácias por empresas estrangeiras eram caros demais.
"A menstruação é o maior tabu do meu país", ele diz no curta "Absorvendo o Tabu". "A criatura mais forte criada por Deus no planeta não é o leão, o elefante, nem o tigre, e sim a menina."
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