"Fiz um aborto clandestino, fui hospitalizada e agredida por enfermeiros"
A vendedora maranhense Luiza*, de 30 anos, relembra com angústia o aborto que fez aos 17. A voz pausada, ao telefone, conta os medos que antecederam o procedimento, as complicações que ela teve de enfrentar, o cruel julgamento dos enfermeiros no hospital e a gravidez desejada que veio depois.
"Fui para o hospital em processo de aborto, depois de tomar um xarope. Quando os enfermeiros fizeram a curetagem, vieram até mim, com o feto nas mãos, e disseram: 'Olha o que você fez, você matou uma vida'. Até hoje, só de lembrar, me dá um aperto no coração".
"Eu era novinha, inexperiente. Não tinha recebido muitas orientações sobre sexo e prevenção. Morava com meus pais, e comecei a me envolver com um homem mais velho. Era um namoro como outro qualquer, só que eu descobri, depois de alguns meses, que ele era casado. Terminei o relacionamento e, depois de dois meses, minha menstruação começou a atrasar. Fiz o teste de farmácia e descobri que estava grávida. Fiquei desesperada. Eu nem trabalhava, como sustentaria um filho?
Conversei com meu ex-namorado e disse que queria interromper a gravidez. Ele, no entanto, pediu que eu pensasse um pouco antes de decidir. Tomei a providência sozinha. Chamei uma amiga e ela me deu um chá que, dizia, era indicado para induzir um aborto. Não senti nada.
No dia seguinte, fui até uma feira perto de casa, onde ficava um homem que vendia um xarope abortivo. Não tenho ideia do que tinha dentro. Só comprei e, como já era de noite, tomei. Não queria esperar até o dia seguinte. Eu estava grávida de dois meses, quanto mais o tempo passava, mais arriscado ficava. Varei a madrugada com a minha mãe e uma amiga esperando acontecer. Peguei no sono quando amanheceu.
Acordei pouco depois, sentindo muitas contrações. Passei o dia com a maior dor que já senti na vida. No fim do dia, ela piorou ainda mais. Corri para o quintal para pedir ajuda e, lá, tive uma convulsão. Minha mãe correu para chamar meu pai enquanto minha amiga, por sorte, desenrolou minha língua. Eu estava engasgando e perdendo o ar. Sei que o procedimento ideal é virar a pessoa de lado, e, não, colocar a mão dentro da boca. Mas ela estava desesperada e, por sorte, me salvou.
Meu pai me levou para o hospital voando. Já estava abortando, então, fui internada. Eu gritava de dor e as enfermeiras diziam: 'Na hora que fez não pensou na dor, agora aguenta'. Passei a madrugada internada, com dor, sem conseguir dormir.
Na hora de fazer a curetagem, uma delas disse: 'Você poderia, pelo menos, ter se depilado, né?'. Me senti super mal. Enquanto ela me depilava -- com muita má vontade -- eu tentava me defender, dizendo que não queria ter feito o aborto. Não adiantou. Ela continuou me tratando mal.
Depois do procedimento, um enfermeiro do hospital veio até mim com o feto, bem pequenininho, do tamanho de uma bolinha que cabe na mão. Ele disse: "Olha que pena, ele já estava se formando. Viu o que você fez?'. Eu chorei muito, tentava esconder o rosto para não olhar para aquilo. Fui tratada como uma criminosa o tempo todo. Me arrependo muito de ter abortado. Se não tivesse sido tratada assim, acho que teria lidado melhor com isso.
Hoje, tenho 30 anos, e uma filha linda de sete. Dar à luz foi um momento muito bonito. Mas, quando descobri a gravidez pela primeira vez, eu só conseguia pensar: "Meu Deus, vou ter um filho sem pai". Não queria isso, nem sabia dos riscos de um aborto clandestino. Quando tive minha filha, fiquei em uma enfermaria junto com meninas que estavam internadas por complicações de aborto. Elas eram muito mal tratadas, como eu fui. E eu estava ali, agora em outra situação, sem saber como agir.
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